segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

TEM QUE OUVIR: XTC - Skylarking (1986)

Em 1986, o XTC não estava em seu momento mais favorável. Anos antes, Andy Partridge teve um colapso nervoso que o tirou dos palcos. Já os discos mais recentes do grupo eram artisticamente irregulares e não vendiam bem. Chamaram o grande Todd Rundgren para ajudar na produção, mas foram tantas as divergências sonoras que ele e Andy tornaram-se verdadeiros inimigos dentro do estúdio. Embarcaram num conceito ambicioso que quase foi rejeitado pela Virgin (a gravadora justificava o fracasso comercial do grupo alegando que eles eram "muito ingleses"). Diante de tudo isso, o resultado alcançado no majestoso Skylarking é não menos que surpreendente.


É impossível definir o gênero do disco. Ele caminha pelo lado mais pop da new wave, mas com incursões psicodélicas que dão um caráter de art rock a obra. Isso sem falar na influência sessentista do chamber pop.

Os sons de pássaros, a linha de baixo ultra melódica e a bateria espertissima em "Summer Caldron" elevam a beleza da composição, além de dar luz a narrativa delirante do álbum, que discorre sobre a vida, do nascimento a morte.

Foi Todd Rundgren o responsável por enriquecer as composições com elementos orquestrais e programações eletrônicas. Claro, isso sem não antes ter sua visão avaliada (e reprovada) pelo Andy Partridge. Não faltam acusações de um contra o outro. Diante disso, fica difícil saber de quem são os méritos de tamanha beleza.

Em "Grass" surge o encontro perfeito do pop com elementos orientais. Ingleses que são, eles distribuem melodias apaixonantes que deixariam Paul McCartney embasbacado, vide a linda "Ballet For A Rainy Day", seguida do pequeno épico orquestrado "Umbrellas". Já a divertida "Season Cycle" tem aberturas vocais beachboynianas.

A energia power pop de "Earn Enough For Us" eleva o astral do disco. Já em "Big Day" é possível ouvir toques de Byrds. A complexidade melódica de "Mermaid Smiled" beira o absurdo. Por sua vez, "The Man Who Sailed Around His Soul" é de harmonia jazzistica, com direito a balanço latino e performance brilhante do baterista Prairie Prince.

A linda "Dying" e a delirante "Sacrificial Bonfire" encerram esse disco de confecção tortuosa, mas de audição deliciosa.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Chris Potter, John Lewis, Kev Brown e Stereophonics

CHRIS POTTER
Ouça tudo do Chris Potter, mas dê uma atenção especial quando tiver escrito "underground" na capa. É só a nata do jazz atual.

JOHN LEWIS
John Lewis Presents Jazz Abstraction (1960). O nome do disco já entrega muita coisa. A linha tênue entre o jazz e a música erudita está aqui. Disco complexo e lindo. Tem o Jim Hall na guitarra.

KEV BROWN
Não sei porque tinha salvo esse disco - I Do What I Do (2005) -, mas ele tem algumas produções de rap bem boas.

STEREOPHONICS
Vi eles executando essa música ("Graffiti On The Train") no Jools Holland e achei bonito. Revendo essa versão no YouTube perdeu um pouco a força, mas ainda é bacana.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

TEM QUE OUVIR: Dorival Caymmi - Canções Praieiras (1954)

Antes mesmo de João Gilberto gravar o clássico Chega de Saudade, outro compositor baiano se destacou com seu violão singular em composições majestosas. Me refiro a Dorival Caymmi, que em 1954 lançou Canções Praieiras.


Sem firula, Caymmi apresenta todas as suas qualidade sozinho, dispensando arranjos pomposos ou trejeitos do samba-canção. Aqui está apenas a sua voz, violão e letras sobre a vida dos pescadores. Dá até para chamar de primeiro álbum conceitual da história.

É não menos que encantadora a melodia de "Quem Vem Pra Beira Do Mar". Dá para imaginar toda a geração da bossa nova ouvindo "O Bem Do Mar", que por mais distante do gênero pareça a voz impostada do Caymmi, sua linda harmonia muito lembra a de João Gilberto.

O violão na introdução de "O Mar" é espetacular. Caymmi faz de seu instrumento uma ferramenta de ambientação para suas letras. Em uma nova concepção de harmonia, os acordes criam o pano de fundo para a poesia. Isso pode ser percebido nas belas "É Doce Morrer No Mar", "A Jangada Voltou Só" e, principalmente, na assombrosa "A Lenda Do Abaeté".

A métrica e a sonoridade rítmica do canto de "Pescaria (Canoeiro)" é extremamente singular, sendo influenciada pelo baião, mas originando algo particular do Caymmi. Fechando o disco (que dá pouco mais de 20 minutos), temos "Saudade De Itapoan", um dos mais belos registros vocais do baiano.

Grande parte deste repertório foi revisitado em Caymmi E Seu Violão (1959), mas são as originais versões aqui encontradas as mais representativas. Canções Praieiras é um documento essencial para entender a canção popular nacional. Lindo álbum.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Aaron Goldbert, Como Asesinar A Felipes, Laurie Anderson, Raspberries e Soulsavers

AARON GOLBBERT
Tudo deste pianista é uma aula de desenvolvimento de motivos musicais. Recomendo escutar com atenção. Simples assim.

COMO ASESINAR A FELIPES
Um amigo me recomendou há muito tempo atrás o disco Un Disparo Al Centro (2009). Jurava que era uma banda indie moderninha latino-americano e não dei bola. Peguei para ouvir agora e descobri que é um curioso e orgânico rap latino. É bacana.

LAURIE ANDERSON
Outra recomendação de um amigo. Conhecia ela somente por nome. Peguei o disco Home Of The Brave (1986) e achei sensacional. Tem o Adrian Belew em algumas faixas. É algo para ouvir e reouvir com atenção.

RASPBERRIES
Entre o power pop e o glam rock. Adoro essa estética. O debut deles é um clássico do gênero.

SOULSAVERS
A grande descoberta em muito tempo. Peguei o disco Broken (2009) e fiquei chocado. Lindas composições e arranjos primorosos, em alguns momentos até remetendo ao Leonard Cohen. Mark Lanegan canta a maior parte do disco, mas Mike Patton, Jason Pierce e Gibby Haynes também dão as caras. Maravilhoso! Preciso ouvir agora os discos posteriores do grupo.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

TEM QUE OUVIR: Swans - The Seer (2012)

Até o ano de 2012, eu nunca havia ouvido falar do Swans. Falha minha, claro. A banda, que está em atividade desde 1982, pode ser entendida como o projeto solo do Michael Gira, o criador da porra toda. O grupo nasceu na cena no wave nova-iorquina, mas foi rapidamente tomando rumo próprio, ficando mais pesado, sombrio, lento e barulhento. Mesmo fora da mídia, seus shows tornaram-se lendários. Faltava um disco que traduzisse essa densidade perturbadora dos palcos para o estúdio. Neste clima foi lançado The Seer, um dos grandes álbuns da década.


Michael Gira chegou a assumir que só foi possível produzir esse disco após o acúmulo de anos de estrada. Foi literalmente pensado como a obra da sua vida, embora o tempo mostre que ele não perdeu a mão nos trabalhos posteriores.

Devo confessar que, talvez por não estar familiarizado com o som do grupo, a primeira vez que ouvi o disco eu não curti tanto. Não foi fácil adentrar aquela massa sonora densa. O resultado foram duas horas angustiantes. Hoje é disparado um dos meus prediletos deste milênio.

A progressiva "Lunacy" prepara o território para a viagem sônica do álbum, a começar pela "Mother Of The World", com seu ritmo repetitivo que desencadeia num mantra complexo. Diante disso é preciso destacar a execução precisa do Thor Harris e Phil Puleo, que ajuda a criar uma paisagem em looping de um tenebroso mundo formado por terríveis seres desconhecidos.

No primeiro segunda da épica "The Seer" já nos damos conta que estamos diante do perigo. Não há espaço para enrolação. Trombetas, sinos, vibrafones, acordeon, pratos e guitarras criam nuvens cinzentas que ecoam num templo profano. Mesmo nos momentos mais apaziguadores da faixa, um corpo parece balançar num pendulo. A performance percussiva é arrebatadora, se assemelhando a uma cerimonia tribal pagã. Isso sem falar nas nocauteantes guitarras que simulam o badalar dos sinos do inferno a cada acorde esmurrado. Tudo muito ruidoso, reverberoso e repetitivo, aquietado somente no tocar de uma gaita que deixaria o personagem de Charles Bronson em Era Uma Vez No Oeste preocupado. 30 minutos de um espetáculo!

Enquanto "The Seer Return" cria o trilha sonora para caipiras assassinos, "93. Ave Blues" funde o blues mais rústico com o noise mais braçal da história. É uma cacetada! No meio de todo esse caos, é dilacerante ouvir a linda interpretação de Karen O (Yeah Yeah Yeahs) em "Song For A Warrior".

No fim, três canções transcendentais: "Avatar", em seu crescente claustrofóbico; "A Piece Of The Sky", preenchida por camadas sonoras que formam um drone sinfônico, desaguando num belo e progressivo final; e "Apostate", com mais de 20 minutos de ataques agressivos, onde o céu parece se abrir e despejar tambores, guitarras e mercúrio, que se amontoam num drone epilético e apocalíptico.

Esse disco duplo dificilmente agradará a todos. Todavia, sua audição pode provocar um misto de sensações (das mais terríveis, até as mais agradáveis) que poucos álbuns conseguem proporcionar aos ouvintes.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Christoph De Babalon, Digable Planets, Mick Goodrick e Kaiser Chiefs

CHRISTOPH DE BABALON
If You're Into It I'm Out Of It, disco de 20 anos atrás, mas que se lançado hoje ainda estaria a frente do tempo.

DIGABLE PLANETS
Blowout Comb (1994), talvez o trabalho de hip hop com sonoridade mais orgânica que eu já tenha escutado. 

MICK GOODRICK
O Mateus Starling fez um vídeo contando histórias sobre esse guitarrista que, devo confessar, nada conhecia. Só dele ter sido o mestre de nomes como John Scofield e Mike Stern, já o gabarita a audição imediata com atenção.

KAISER CHIEFS
Até que o Employment (2005) é um disco bacana, né? Tem suas pitadas bem vindas de The Jam.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A covardia critica e a auto-afirmação dos ditos não preconceituosos

"Não tenho nada contra homossexuais! Gosto do Renato Russo. Meu problema com o Pabllo Vittar é que ele canta mal".

Provavelmente você já leu algo parecido no perfil de alguém no Facebook ou mesmo em alguma discussão de bar. Curiosamente, tal afirmação não necessariamente parte de quem leva a complexificação das artes como fator decisivo na escolha do que vai consumir. Ou então a música de Renato Russo cairia em detrimento quanto posta ao lado de centenas de outros compositores. Nunca vi tal critica ao Pabllo Vittar vir de um fã de Stravinsky.

Tais opiniões vem para expor possíveis preconceitos, já que não vejo tal confronto sobre o "não gostar pois ele é gay" passar pela cabeça de quem admira e, até mesmo, vê como transformação social a ascensão de diferentes gêneros sexuais (e raciais) nas artes. Quem gosta destes artistas provavelmente confrontará dizendo "mas é tão divertido".

Se a não adesão a um artista se dá via estética, por que é necessário expor os não preconceitos pessoais? É justamente essa incapacidade crítica de refutar esteticamente a obra de artistas que pertencem a algum recorte socialmente excluído, que dá a aparente legitimidade social a tais obras ditas artisticamente ruins.

Desafinações como as de Pabllo Vittar não cabem como parâmetro para avaliar sua arte, já que afinação não legitima nada. Já vi Milton Nascimento desafinar e nem por isso deixaria de coloca-lo entre os maiores cantores da música popular brasileira. Se Pabllo passar a cantar afinado, não necessariamente será um grande nome da música nacional.

Se a música de Pabllo não apresenta complexificação poética, o mesmo vale para "Hello, Goodbye" (The Beatles). Paul McCartney é um mal compositor? Acho que não.

Tudo isso para dizer que ninguém aqui usa Wendy Carlos ou John Cage para expor seus não preconceitos. Usa-se Renato Russo, um artista de qualidade tão questionável quanto Pabllo Vittar. Absurdo? Deixem nos comentários quais músicas da Legião Urbana apresentam erudição de suas formas, hibridação com outros gêneros, além complexificação na execução ou mesmo poética. Eu honestamente não conheço.

Tais auto-afirmações de não preconceitos mais parecem uma defensiva de quem tem pensamento retrógrado ou então mera argumentação infantil. Espero honestamente que a segunda opção seja a maioria dos casos.

Dito isso, tenho outro ponto. Sempre tive para mim que o cronista não muda sua realidade. Os Racionais MC's cantaram em "Mágico de Oz" sobre as crianças que viviam nas ruas e, passado 20 anos, as crianças ainda estão lá. Abordar temas sociais espinhosos não dão valor estético e muito menos mudam a realidade social. Ou seja, não existe motivos para covardia ao criticar a obra do Pabllo Vittar. Sua música socialmente tem pouco valor. Já esteticamente, é um pop pasteurizado assim como "Macarena".

Pabllo Vittar não quebra preconceito algum, pois não canta para preconceituosos. Seus fãs (ou mero simpatizantes) não romperam com seus preconceitos por causa de sua música. Seus detratores não necessariamente são os que oferecem perigo aos homossexuais. É preciso reconhecer o inimigo para não cometer falso juízo contra aqueles que, seja por formação religiosa ou desorientação intelectual, tem seus preconceitos morais, embora não façam real uso de tais pensamentos retrógrados.

Usando um outro exemplo: Se "Surubinha de Leve" do MC Diguinho é imoral, pouco importa. Seu julgamento só serve para condenar o pobre coitado. Sua defesa social esconde sua fraqueza estética. Sua compreensão enquanto mero produto o coloca no real espaço que ele merece. E neste caso, por ser um produto sem carisma algum, torna-se facilmente esquecível.

Claro, digo tudo tendo em vista a postura que deveria adotar os indivíduos. A massificação de produtos de entretenimento barato via mídia é algo sempre a se criticar. Não em detrimento de algum personagem "artístico" ruim, mas a favor de alguns nomes talentosos. Adoraria ligar a TV num domingo a tarde e ver um programa com o perfil do Jools Holland, com participação de nomes como Anitta, Hermeto Pascoal, Zé Ramalho, Ratos de Porão, Rashid, Fábio Zanon, Metá Metá e God Pussy. Isso sim geraria uma transformação artística. Mas qual a chance disso acontecer na Rede Globo? Digo isso pois considero o monopólio da midia pior que qualquer produto artístico em si.

Aliás, outro ponto que vale a reflexão: incrível como muitos compram a ideia de que Pabllo Vittar promove transformação social, quando ela é uma artista cooptada pela Rede Globo, o órgão midiático que mais dissemina preconceitos e desigualdades.

Dito tudo isso, penso que a arte deve ser compreendida através da sua forma (que não é social). Se for artisticamente ruim: deve ser pessoalmente avaliada e posta de lado. Se for boa: ótimo, prestou sua função. Se entreteve (independente se é socialmente bacana ou moralmente condenável): foi um bom entretenimento. Simples e eficiente assim. Aparentemente complexo para a maioria.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

TEM QUE OUVIR: Frank Zappa - Apostrophe (') (1974)

Dentro da imensa, variada e brilhante discografia do Frank Zappa, não existe unanimidade na escolha do álbum predileto. Sendo assim, exponho aqui aquele que mais faz a minha cabeça: Apostrophe (') (1974).


Em pouco mais de 30 minutos, Frank Zappa evidencia toda a complexidade apaixonante do seu trabalho, a começar pela curtinha "Don't Eat The Yellow Snow", onde basta o groove desconcertante em cima da repetitiva melodia pra bagunçar nossa mente. Isso sem mencionar a divertida letra.

O arranjo nada convencional e o texto irônico de Zappa constroem "Nanook Rubs Ir", faixa onde seu canto falado chega ao ápice. Isso sem mencionar o clima R&B e as passagens ácidas de guitarra.

Como descrever a dobradinha "St. Alfonzo's Pancake Breakfast" e "Father O'Blivion" (adoro o final dessa faixa)? É aquele tipo de viagem exclusiva do universo zappiano, onde o rock progressivo, a música erudita e o humor nonsense viram uma coisa só. Ultra complexas.

No meio de tanta extravagância, há um clássico: "Cosmik Debris", dona de um arranjo espetacular, que cria a ambientação para que Zappa encarne um guru. Destaque para o solo bluesy de guitarra. Atenção também para a participação do George Duke nos teclados e backing vocal. Ele volta a dar as caras em "Uncle Remus", faixa de bonita melodia vocal, interpretada/arranjada com enorme sabedoria. E da-lhe mais passagens primorosas do Zappa nas seis cordas. 

Falando em participação, o baixo gorduroso do Jack Bruce e a bateria swingada do Jim Gordon saltam aos ouvidos na delirante "Apostrophe'". Uma cacetada.

Fechando o disco, a faixa mais longa: "Stink-Foot", quase sete minutos de perspicácia sônica.

Tão complexo quanto acessível, Apostrophe (') me soa como o disco mais bem acabado do Zappa. Uma ótima porta de entrada a esse mundo tão falado e pouco conhecido.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Colosseum, Eloy, F.Y.P. e Tonto's Expanding Head Band

COLOSSEUM
Escutando o ótimo disco de estreia do Colosseum eu só conseguia pensar "como Jon Hiseman toca!". Um dos grandes bateristas do rock. É absurdo.

ELOY
Devo confessar que até então nunca tinha escutado um disco do Eloy. Peguei o prestigiado Ocean (1977) e gostei muito. Tem melodias ali que são o fino. 

F.Y.P.
Punk rock noventista tosco: Gostamos!

TONTO'S EXPANDING HEAD BAND
Disco que fez o Stevie Wonder adentrar o mundo dos sintetizadores. Só por esse motivo já tem que ouvir.