sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: Free - Fire And Water (1970)

Que o auge do rock ocorreu entre o final da década de 1960 e o começo da década de 1970 é bastante perceptível para a grande maioria das pessoas. O que muitos ainda não perceberam é que havia muito mais neste período que Led Zeppelin, Black Sabbath e Pink Floyd. Um entre tantos exemplos é o Free, grupo inglês que lançou em 1970 seu terceiro álbum, o espetacular Fire And Water.


Com as raízes fincadas no blues e R&B, a banda trazia em sua linha de frente o vocalista Paul Rodgers e o guitarrista Paul Kossoff. Pouco depois entrou o prodígio baixista Andy Fraser - que desde os 15 anos já havia tocando com os grandes nomes do blues inglês, vide John Mayall & The Bluesbreakers - e o baterista Simon Kirke, dono de um ritmo preciso, reto e, de certa forma, com o freio de mão puxado.

Paul Rodgers traz forte influência da música negra em seu cantar, soando melódico, dramático e de timbre enorme. Seu estilo tem classe, é empostado e mais grave quando comparado aos seus contemporâneos de hard rock inglês. Destaques nestes aspectos estão na sacolejante "Fire And Water" e na balada "Remember".

Já o guitarrista Paul Kossoff é dono de um dos mais impressionantes timbres e vibratos da história da guitarra. Seu solo no hit "All Right Now" não por acaso tornou-se emblemático. 

Como esquecer também da linha de baixo do Andy Fraser na espetacular "Mr. Big"? É um som robusto, gorduroso e melodicamente viajante.

Em 1976, Kossoff morreu prematuramente após enfrentar problemas com drogas. Enquanto isso, Paul Rodgers fazia enorme sucesso ao lado do Simon Kirke no Bad Company (e décadas depois saiu em turnê com o Queen). Já o Free, embora de sucesso moderado, tornou-se um nome indispensável do hard rock de todos os tempos.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: Guided By Voices - Bee Thousand (1994)

Em meados da década de 1990, o rock alternativo se viu comercialmente viável através de bandas como o Sonic Youth. Veteranos do rock independente, o Guided By Voices finalmente começara a chamar alguma atenção. Com o Bee Thousand e sua produção de orçamento mínimo, o grupo oriundo de Ohio lançou o guia do que ficou conhecido como lo-fi.  


Daniel Johnston, Beat Happening e grupos de black metal escandinavos já haviam lançado pérolas de produção precária, mas o Guided By Voices fez disso um recurso para suas composições, firmando uma estética sonora por trás das músicas.

Entre o power pop perfeito das bandas da invasão britânica e o punk rock americano, as canções do grupo liderado pelo Robert Pollard trazem apenas aquilo que interessa. Nada de introduções, solos de guitarra ou outras enrolações. Grande parte das 20 composições tem pouco mais de 1 minuto e mais parecem partes A e B de ótimos refrães.

As guitarras barulhentas, a captação do áudio por vezes desfocada, a mixagem que parece ter sido feita as pressas e a masterização (se é que existe) sem coerência entre as faixas, são algumas das peculiaridades. Mas as composições agradam. Muito pelo apelo melódico e suas letras surrealistas/psicodélicas. Destaque para "Hardcore UFO's", "Tractor Rape Chain" e "I Am A Scientist".

Sem explodir no mercado, mas também sem parar de produzir, lançando até mesmo outras pérolas como Alien Lanes (1995), o grupo se firmou no cenário alternativo americano. O indie rock não seria o mesmo sem o Guided By Voices.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: John Mayall & The Bluesbreakers - Blues Breakers with Eric Clapton (1966)

"Clapton Is God". Pichações com esses dizeres apareceram em Londres em meados da década de 1960, antes mesmo do lendário guitarrista formar o supergrupo Cream. Sua fama, que vinha desde os tempos do Yardbirds, chegara ao ápice com o lançamento do clássico Blues Breakers With Eric Clapton (1966), disco capitaneado por John Mayall ao lado de seu Bluesbreakers.


John Mayall é uma lenda do blues rock. Não é absurdo dizer que ninguém fez mais pelo blues na Inglaterra quanto ele. Só de guitarristas ele apresentou ao mundo Peter Green, Mick Taylor, além do próprio Clapton.

Neste disco, o baixo ficou a cargo do John McVie (sim, aquele mesmo do Fleetwood Mac). Ele forma a cama perfeita para que o "Deus da Guitarra" dilacere seu combo de “Les Paul + Marshall + microfone longe do falante” em faixas como "All Your Love", dona de introdução cortante. O timbre extremamente potente no solo da chorosa "Double Crossing Time" beira o absurdo. Para muitos, foi na gravação deste álbum que nasceu o som da guitarra rock como a conhecemos hoje.

O guitarrista inglês presta tributo aos seus ídolos americanos em "Hideway" (Freddie King) e "Ramblin' On My Mind" (Robert Johnson). Mas Mayall também era um grande compositor e isso ficou evidente nas contagiantes "Little Girl" e "Key To Love".

A busca de Clapton por uma sonoridade blues mais tradicional se faz valer em "Another Man". Em "Steppin' Out" ele arrebenta num intenso boogie. Já "What'd I Say" - com citação de "Day Tripper" (The Beatles) - é de força digna a Invasão Britânica.

Com único registro ao lado do Bluesbreakers, Eric Clapton aproximou a Inglaterra do Delta e conseguiu que blues fizesse parte da cultura britânica. Além, é claro, de ter proporcionado alguns dos melhores momentos da história da guitarra.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: The Pretenders - Pretenders (1980)

Após a explosão punk na Inglaterra, dezenas de grupos fantásticos surgiram neste rastro, mas poucos sobreviveram tão bem ao teste do tempo quanto o Pretenders. Ainda assim, é justamente seu disco de estreia que se manteve como o documento definitivo da banda.


Já se apropriando de nuances mais pop dentro da estrutura básica do punk rock, o grupo foi fundamental para o desenvolvimento da new wave.

Em sua linha de frente estava a talentosa, carismática, engajada, sexy e poderosa Chrissie Hynde, uma antiga fã de Clash e jornalista da NME. Sua forma visceral de cantar e tocar guitarra fez dela uma das mais importantes (e imponentes) mulheres do rock. Sua garra pode ser sentida na consistente "Precious", seguida pelo ritmo intenso de "The Phone Call". 

Outra força do grupo era o guitarrista James Honeyman-Scott, um dos mais criativos da época. Entre seus melhores momentos estão a ritmicamente estranha "Tattooed Love Boys" e a instrumental "Space Invader". Infelizmente, seu vício em heroína colaborou para sua morte prematura 2 anos após o lançamento do disco. 

Outra faixa poderosa é a delirante "The Wait". Baladas mais melodiosas, mas não menos consistente, como se fosse uma versão inglesa do Blondie, se faz valer na preciosa "Up The Neck". Há também espaço para o reggae "Private Life".

O disco ainda guarda nas mangas sucessos como "Stop Your Sobbing" (The Kinks), "Kid" e "Brass In Pocket", tornando sua audição ainda mais indispensável para entender o rock daquele período. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: Megadeth - Rust In Peace (1990)

A década de 1990 começou bem para o thrash metal. Com a saturação do glam metal e o grunge derrubando as barreiras do mainstream, a visceralidade técnica de grupos como Metallica, Pantera, Sepultura e Megadeth começou a ganhar maior espaço comercialmente.


Parcialmente limpo das drogas, Dave Mustaine mantinha sua árdua luta em tentar superar o Metallica. A história mostra que comercialmente não deu muito certo, tendo em vista que seu antigo grupo lançou o mega sucesso Metallica - Black Album (1991). Todavia, artisticamente, Mustaine que ficou com o prestigio do público headbanger ao não fazer concessões comerciais.

Após recrutar o virtuoso guitarrista Marty Friedman, o ótimo baterista Nick Menza e fincar as estruturas do grupo ao lado do baixista David Ellefson, Mustaine fez do Rust In Peace um guia do speed metal e thrash metal.

Logo na introdução de "Holy Wars... The Punishment Due", uma cascata de riffs fantásticos, viradas de bateria com cavalares bumbo duplo, solos de guitarra virtuosamente melódicos e diferentes dinâmicas. Um clássico do metal e, para muitos (inclusive eu), a grande faixa do Megadeth.

Mas o sucesso comercial veio com o hit "Hangar 18", faixa com solos de guitarra desafiadores, evidenciando a qualidade técnica do grupo. "Tornado Of Souls" também é dona de emblemático solo, inclusive fazendo uso de intervalos melódicos nem tão usuais dentro do heavy metal.

A banda ainda acerta nas intensas e elaboradas de "Take No Prisoners", "Five Magics" e "Rust In Peace... Polaris", todas donas de introduções que são verdadeiras cacetadas. Vale dizer o som quente, orgânico, braçal e cristalino extraído na produção.

Se por um lado a voz de Pato Donald de Mustaine causa distanciamento de alguns, seu talento como compositor e as ótimas partes de guitarra prevalecem nas canções. Disco fundamental para o thrash metal.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

TEM QUE OUVIR: Dr. John, The Night Tripper - Gris-Gris (1968)

Dr. John é uma lenda local de Nova Orleans. Um guru. Um personagem místico. A psicodelia encarnada. E tudo isso pode ser conferido neste disco.


Lançado em 1968, no auge no movimento hippie, do rock psicodélico e experimental, das drogas lisérgicas e da confusão política americana, Gris-Gris é um documento da época.

Dr. John é um pregador de vodu encarnado por Malcom Robert Rebennack, um experiente músico de Nova Orleans que deixou de ser guitarrista para tornar-se pianista após um estranho acidente com um revólver que o impossibilitou de tocar o instrumento de seis cordas. O mundo ganhou não só um ótimo pianista com enorme bagagem blues/gospel, mas também um criador excêntrico.

É difícil explicar a fusão de elementos no disco. Muito dos sons das igrejas de Nova Orleans estão presentes (vide "Danse Fambeaux"). Talvez um pouco do jazz das ruas e o funk tão enraizados na cidade (vide "Mama Roux"). Algo que mais parece a mantras indianos somados a elementos rítmicos da música cubana e etíope (vide "Danse Kalinda Ba Boom"). Doses cavalares de psicodelia atmosférica/espacial (vide "Gris-Gris Gumbo Ya Ya"). Uma viagem!

No final do disco ainda temos um clássico, "I Walk On Guilded Splinters", uma viagem sônica que inspirou bandas como Allman Brothers Band, Humple Pie e até mesmo artistas destoantes como Michael Brecker e Jello Biafra.

Anos mais tardes, músicos como Jason Pierce (Spacemen 3 e Spiritualized) passariam a idolatrar Dr. John, que trabalharia com seu fã. Dr. John virara um artista cult e personagem importante da música americana.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A moda e o rock

Minha coluna dessa semana no Maria D'escrita:

Estética e atitude são quesitos que sempre estiveram entrelaçados tanto a moda quanto ao rock. São muitos os artistas que circulam entre os dois mundos. Lembrarei de alguns deles cronologicamente:
Obs: ficarei no território do rock, ou seja, Michael Jackson, Run-D.M.C., Lady Gaga, dentre outros personagens da música influentes no mundo da moda, terão que aguardar.
Logo após o rock despontar via canções do Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Bill Haley, um outro moço boa pinta e de rebolado polêmico, monopolizou a atenção dos jovens. Elvis Presley virou "Rei do Rock" não só por seu talento musical, mas também devido a postura. O mesmo vale para Little Richard, pianista e cantor visceral, mas acima de tudo um golpe para os padrões comportamentais de uma América racista e homofóbica. Logo sua pele negra e homossexualidade assumida viraram destaque. Em comum com Elvis havia o topete charmoso, influenciado por Esquerita e James Dean, influenciando toda uma geração rockabilly posterior, incluindo os Stray Cats (já na década de 1980), que elevaram o visual ao limite.

Quando uma invasão de grupos ingleses despontou nos EUA trajando terninhos, uma nova onda estética foi inaugurada no rock. Todavia, a elegância (ou caretice) dos terninhos logo foi substituída pelas cores vibrantes da psicodelia. Os Beatles na fase Sgt. Peppers que o diga. Já o The Who e o Small Faces fincaram suas bandeiras no movimento Mod, onde não só as anfetaminas, o blue-eyed soul e a influência do movimento skinhead jamaicano traduziam as bandas, mas também os trajes eduardianos e os cabelos alinhados. The Jam, The Specials e Oasis foram alguns grupos que adotaram tais características posteriormente.

Em paralelo, o rock psicodélico despontava no sonho hippie de Paz & Amor e nas cores vivas presente nas estampas lisérgicas/floridas de Janis Joplin, Jimi Hendrix e de toda a costa oeste americana. Isso sem esquecer os cabelos "black power", curiosamente usados até mesmo por branquelos como Eric Clapton e Mitch Mitchell.

Colorido foi também a cena glam rock, que priorizava além de uma música vibrante, muito glliter, plumas espalhafatosas, sapatos com plataformas e maquiagem artística, dando uma direção andrógina ao rock. David Bowie (ícone indiscutível da moda), Marc Bolan e Elton John que o digam.


Quanto tudo havia chegado ao limite da estética absurda – com direito a Freddie Mercury fantasiado de rei, Angus Young de colegial, Peter Gabriel de girassol (???) e o KISS incorporando personagens de quadrinhos diabólicos/circenses ao seu conceito -, eis que surgem os Ramones vestindo surradas calças jeans, tênis all star e jaquetas de couro do dia-a-dia. Básico e revolucionário, como seus três acordes. Um adendo: os moicanos só foram fazer parte do estilo punk através de grupos como o The Exploited. Já os coturnos são adereços dos operários, setor onde o movimento punk se fortaleceu.

Paralelo a estética punk, surgiu a típica caricatura do heavy metal, repleta de roupas de couro justas, spikes e outros adereços que parecem de motociclista, mas que tem mais haver com sadomasoquismo. É só perguntar para o Rob Halford.


Na década de 1980, junto com o pós-punk e as crises sociais durante governos os de Margaret Thatcher e Roanald Reagan, brotou o pessimismo e o culto ao mórbido. Maquiagem causando palidez fúnebre, cabelos espalhafatosos e roupas pretas viraram a caracterização do gótico. Robert Smith e Siouxsie Sioux são dois dos principais personagens deste período.

Contrabalanceando toda essa escuridão gótica, a new wave era o lado festivo do rock, representado não só nas músicas, mas também nas roupas coloridas, com direito a perucas espalhafatosas.


Também durante a década de 1980, influenciado pelo som festivo do Van Halen e o visual "afeminado" herdado do glam rock, surgiu o hard rock/hair metal/hard rock farofa. Por mais ridículo que possa parecer hoje, as maquiagens transvestidas, os saltos altos e os cabelos cheios de laquê, dominaram a MTV da época. A coisa ficou tão bizarra que, os grupos que levaram essa estética as últimas consequências acabaram virando um subgênero dentro do próprio hard rock, o sleaze.


Felizmente tudo não passou de uma época nebulosa do rock, já que o Nirvana eclodiu para sepultar todas as bandas do hard rock oitentistas. O mesmo feito pelos Ramones 15 anos antes, se repetiu com toda cena grunge de Seattle, só que com o plus das tão famigeradas camisas de flanela, sempre usadas por artistas oriundos de regiões mais afastadas das grandes capitais, vide o "caipira" Neil Young.


Junto com o envelhecimento do rock, veio também a saturação criativa das inovações estéticas. Hoje as bandas adotam fórmulas repetitivas do passado, não criando nada que vale ser citado. Vale lembrar o enfoque dado as cores vermelhas, preto e branco pelo White Stripes, mas aí é um caso isolado e não de uma cena/geração. Em termos de visual, nada mais aconteceu.

TEM QUE OUVIR: Nick Cave And The Bad Seeds - Murder Ballads (1996)

Nick Cave é um cara fúnebre. Mesmo quando escreve sobre relações amorosas, ele parece dramático e calculista. Imagine então o que acontece quando ele decide abordar assassinatos em suas composições. Temos a trilha sonora de terror noir perfeita para dias frios.


Dono de uma tenebrosa voz grave e herdeiro legitimo do caótico rock gótico do Birthday Party, não seria estranho se as composições trouxessem um peso instrumental brutal. Mas não, assim como Bernard Herrmann, Nick Cave constrói o suspense - ao lado de seu já lendário grupo, The Bad Seeds - em baladas densas, com pianos de tabernas, percussões primitivas e uma grandiosidade sonora oriunda de um reverb que parece ter sido gerado num castelo vampiresco. Isso tudo fica evidente logo de cara na espetacular "Song Of Joy".

Contemplando os mais perversos serial killers e assassinos, Nick Cave narra a história de velhos conhecidos do mundo da música, vide a tenebrosa "Stagger Lee", com direito a berros desesperados duelando com as guitarras ruidosas do Blixa Bargeld. Já na circense "The Curse Of Millhaven" é uma diabólica Loretta que aterroriza sua aldeia. Tudo é narrado/interpretado brilhantemente por um Nick Cave desesperadamente ofegante.

A participação singela da PJ Harvey em "Henry Lee" parece surgir para confortar o coração com sua doce melodia, mas é apenas mais uma psicopatia de Cave. O mesmo vale para a atuação da diva pop Kylie Minogue na exuberante "Where The Wild Roses Grow".

Se instrumentamente há sons de sinos, alicerce no blues e melodias que lembram o Tubular Bells, liricamente é a angústia claustrofóbica e a capacidade de prender a atenção do ouvinte a maior qualidade do Nick Cave. Murder Ballads é um filme sonoro impecável.