segunda-feira, 31 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: LCD Soundsystem - Sound Of Silver (2007)

Ao darmos de cara com as novas bandas de indie rock presentes nos principais festivais de música do mundo, observamos que o rock "dançante" voltou a fazer parte do cardápio da molecada. Mas nada que lembre o auge do New Order. Hoje tudo mais parece um dance-rock oriundo do "poperô" de músicos-publicitários. Mas sempre existirá a ovelha negra pronta para oferecer dignidade a novas tendências. LCD Soundsystem é a principal dessa geração pós 2000.


Com um aclamado disco de estreia na bagagem, Sound Of Silver (2007) é aquele típico segundo trabalho que vem para consolidar o nome da banda. O talentoso James Murphy é quem lidera não só o grupo, mas também a DFA Records, gravadora que lançou não só esse álbum, mas diversos outros artistas - vide Hot Chip e The Rapture -, incluindo remixes para Nine Inch Nails, Gorillaz, The Chemical Brothers, dentre outros.

A mistura de Kraftwerk, Brian Eno e Talking Heads fica evidente desde a abertura com "Get Innocusous!". O ritmo dançante, a melodia vocal grudenta, a produção encorpada e os arranjos cuidadosos cercam canções como "Time To Get Away" e o ótimo single "North American Scum".

Como um revival da new wave, "Someone Great" é de pura eficácia sonora. O mesmo vale para as fantásticas "Watch The Tapes" e "All My Friends", sendo a última escolhida pela Time como a melhor canção do ano.

Além de ter sido um sucesso de público, Sound Of Silver recebeu também elogios da mídia - Uncut, NME, The Guardian -, que elegeu como o principal álbum do ano. Preciso dizer qual trabalho levou o Grammy de melhor disco de música eletrônica/dance?

domingo, 30 de agosto de 2015

Descobrindo novos sons via documentários

Ao procurarmos um documentário musical para assistir, existe a tendência de irmos em busca a nomes que já conhecemos e adoramos. Afinal, quem não vai querer ver um filme sobre o Bob Dylan dirigido pelo Martin Scorsese (vide No Direction Home, de 2005)? Todavia, é sempre interessante/esclarecedor conhecermos artistas diferentes via documentários. Sendo assim, aqui vão belas dicas para fugirmos do óbvio musical e cinematográfico.

- The Devil and Daniel Jonhston (Jeff Feuerzeig - 2005)
Artista cult, Daniel Johnston ganhou prestigio ao ser citado por integrantes do Nirvana, Pearl Jam, Beck, PJ Harvey, dentre outros. Seus discos gravados amadoramente em casa ainda no começo da década de 1980, trazem devaneios de um brilhante compositor perdido entre amores fracassados e sinais de esquizofrenia. Alucinado, Daniel é internado em clinica psiquiátrica, tem crises mentais nervosas e, num momento fantástico do filme, é procurado pelos integrantes do Sonic Youth, que o encontram completamente atormentado por, segundo ele, o Demônio. Emocionante e tragicamente cômico.

- Anvil!: The Story of Anvil (Sacha Gervasi - 2008)
Uma banda que no auge do heavy metal serviu de influência para integrantes do Metallica, Motörhead e Guns N' Roses, se vê agora completamente esquecida. Seus integrantes revezam entre shows vazios e trabalhos paralelos entregando merenda. Comovente e hilário. Uma verdadeira história de paixão pela música.

- The Wrecking Crew (Danny Tedesco - 2008)
Dirigido por Danny Tedesco, o filme conta a história da Wrecking Crew, um grupo de músicos de estúdio que gravou inúmeros hits da música popular americana entre as décadas de 1950 e 1960. Pérolas dos Beach Boys, Monkees, Sony & Cher, Frank Sinatra, Nancy Sinatra, The Mamas & The Papas, dentre outros (incluindo jingles e temas para programas de TV), foram gravadas por instrumentistas exímios e anônimos para o grande público, vide os guitarristas Tommy Tedesco (pai do diretor do filme), Glen Campbell (que depois despontaria em carreira solo), Barney Kessel, os bateristas Hal Blaine e Earl Palmer, a baixista Carol Kaye, o pianista Leon Russell, dentre outros. Uma história musical dos bastidores que precisa ser conhecida.

- This Is The Life (Ava DuVernay - 2008)
Good Life Cafe, um espaço alternativo destinado para palestras e vendas de produtos naturebas, ganha uma noite semanal exclusiva para apresentação rappers, fomentando uma cena de jovens e talentosos artistas, vide Chillin Villain Empire, Ellay Khule, Ganjah K, Medusa, Volume 10, Jurassic 5, Freestyle Fellowship, Ava DuVernay, dentre outros. Recomendado não só pra quem gosta de rap, mas principalmente de música alternativa.

- Thunder Soul (Mark Landsman - 2010)
Uma bela história envolvendo a Kashmere Stage Band, uma banda de colégio que superou diversas adversidades, inclusive raciais, ganhando prêmios e fazendo uma espetacular fusão do jazz com o funk. Três décadas depois, os músicos se reúnem e tocam para seu professor/maestro, Conrad O. Johnson. Puro groove e emoção.

- Last Days Here (Don Argott e Demian Fenton - 2011)

Mais que a história da cultuada banda heavy/doom metal, Pentagram, o filme narra as batalhas de um fã para trazer o líder do grupo, Bobby Liebling, de volta a vida após anos de abuso de heroína, metanfetamina e crack. Daquelas histórias onde nada parece dar certo.

- Searching For Sugar Man (Malik Bendjelloul - 2012)
O vencedor do Oscar de 2013 de Melhor Documentário narra a história de Sixto Rodriguez, um artista folk americano que lançou na década de 1970 dois discos que passaram completamente despercebidos. Sem prestigio, o cantor/violonista abandonou a música. Mal sabia ele que sua obra virara sucesso na África do Sul, sendo seu nome mais celebrado que de ícones como Beatles e Elvis Presley. Suas canções viraram símbolo da resistência contra o Apartheid. O filme mostra o encontro do ídolo com uma multidão que clamou por sua aparição durante 30 anos. Inacreditável se não fosse real.

- A Band Called Death (Mard Christopher Covino e Jeff Howlett - 2012)
Três irmãos negros de Detroit montam uma banda de rock no começo da década de 1970, dando as costas para a soul music da Motown, que reinava em sua terra natal. O som explosivo do grupo era punk rock antes do punk rock nascer. David Hackney (guitarra e voz) assume a liderança da banda e embarca todos num conceito relacionado a morte, incluindo o nome do grupo: Death. Embora tenham conseguido gravar um único álbum, inúmeras gravadoras dão as costas para banda. O mórbido nome amaldiçoara o promissor grupo, que só foi encontrar prestígio décadas depois de seu fim.

- Jason Becker: Not Dead Yet (Jesse Vile - 2012)
Um jovem guitarrista extremamente virtuoso, no auge das pirotecnias na guitarra, sendo destaque em revistas especializadas no mundo todo, com uma carreira brilhante pela frente - incluindo o papel de guitarrista do David Lee Roth, que tivera ao seu lado Eddie Van Halen e Steve Vai - viu tudo isso indo ralo abaixo ao ser diagnosticado com uma terrível doença degenerativa que limita todos os seus movimentos, ainda que mantenha sua mente intacta. Mais que uma história comovente presente num filme inevitavelmente dramático, a vida do Jason Becker é uma lição para todos nós.

- The Punk Singer (Sini Anderson - 2013)
Se tem uma figura determinante para a cena Riot Grrrl é a Kathleen Hanna, vocalista do cultuado Bikini Kill e, posteriormente, do interessante Le Tigre. Todavia, ela sumiu dos holofotes sem dar grandes explicações. O filme explica o porque.

- Desagradável (Fernando Rick - 2013)
Uma lenda da cena movimentada do bar Garagem no Rio de Janeiro na década de 1990. A banda tornou-se a única a trabalhar seu conceito em torno da macumba. As letras, os ritmos e a postura insana no palco (e fora dele), tudo é extremo quando se fala em Gangrena Gasosa. Não faltam histórias divertidas sobre o grupo no documentário.


- Keep On Keepin' On (Alan Hicks - 2014)
Genuinamente emocionante, o filme não precisou recorrer a clichês para ser tocante. Ele narra não só a história do genial trompetista Clark Terry (tido como mestre até para Miles Davis e Quincy Jones), mas também a sua ligação com o jovem pianista Justin Kauflin. CT (como é chamado pelos amigos) já está velho e doente, porém consagrado. Justin é cego e enfrenta a insegurança para sobreviver como músico. Todavia, engane-se quem acha que o filme é dramático (embora o choro seja quase inevitável). É mais uma amostra da beleza de indivíduos especiais numa amizade belíssima e com muitos momentos divertidos.

- Los Punks: We Are All We Have (Angela Boatwright - 2016)
No maior estilo DIY, jovens (na maior parte latinos) da zona periférica de Los Angeles, organizam shows de punk rock nas garagens dos amigos, fomentado uma cena musical vibrante. Caso o filme não existisse, dificilmente saberia da existência de tais grupos. Só por isso ele já vale.

sábado, 29 de agosto de 2015

50 anos da Jovem Guarda

A Jovem Guarda comemora meio século. Não de existência, mas de saudosismo, visto que não deixou grande fruto. Mas embora bobinhas, muitas das canções feitas nesse período guardam em si um encanto eterno.

Muito mais que um programa de televisão, a Jovem Guarda foi o primeiro grande momento do rock brasileiro. Tiveram anteriormente artistas flertando com gênero? Sim, vide Nora Ney e Cauby Peixoto. Mas foi a trupe liderada pelo Roberto Carlos que fez do iê-iê-iê dos Beatles um estilo jovem/pop no Brasil.

Para homenagear esse período/estilo, postarei as músicas que, para mim, melhor representam a Jovem Guarda.

1º Adendo: Conheço pouco de Jovem Guarda.
2º Adendo: Sempre achei interessante como, apesar do movimento ser influenciado diretamente pelos Beatles, quando o grupo inglês evoluiu para algo mais psicodélico, quem deu essa virada no Brasil foram os tropicalistas, deixando a Jovem Guarda comendo poeira. Inteligentes/talentosos que são, Erasmo e Roberto sobreviveram em outros territórios.
3º Adendo: Odair José é muito legal, mas não é Jovem Guarda.

Roberto Carlos - Quero Que Vá Tudo Pro Inferno
Dispensa apresentações. Embora minha fase predileta do Roberto esteja entre 1967 e 1972, é inegável que o trabalho enquanto compositor do Rei já estava afiado no auge da Jovem Guarda. Destaque para o teclado do mitológico Lafayette.

Erasmo Carlos - Pode Vir Quente Que Eu Estou Fervendo
Um clássico atemporal do rock nacional. Erasmo sempre foi um grande compositor.

Erasmo Carlos - Festa de Arromba
Uma curiosidade: o programa Jovem Guarda era pra se chamar Festa de Arromba. Todavia, acharam que, conforme a musica fosse saindo de cena, o programa perderia forças. Daí veio a ideia de Jovem Guarda, surrupiada de um discurso de Lênin em que ele diz: "o futuro pertence a jovem guarda, porque a velha está morta".

Wanderléa - Prova de Fogo
Ao lado de Roberto e Erasmo, a Ternurinha foi ponto chave na Jovem Guarda. De voz forte e belas pernas amostra, não teve um jovem sequer da época que não tenha ficado apaixonado pela Wanderléa.

Renato & Seus Blue Caps - Não Vá Embora Sem Me Dizer
Os "Beatles brasileiros"! Exagero, claro. Não eram tão bons compositores, mas eram ótimos músicos. O que fazer? Regravar clássicos da banda de Liverpool. Deu muito certo.

Os Vips - A Volta
Composição de Roberto e Erasmo numa ótima versão com Os Vips. 

Os Incríveis - O Milionário
Essa guitarra do Risonho é sensacional! Grande grupo do qual fez parte o ótimo baterista Netinho e multi-instrumentista Manito.

Eduardo Araújo - O Bom
Eduardo Araújo é um nome subestimado do rock nacional. Além dessa que é uma das grandes musicas da época, permaneceu até a primeira metade da década de 1970 lançando bons trabalhos.

Leno e Lilian - Não Acredito
Talvez minha música predileta de toda a Jovem Guarda. Essa versão para a clássica canção dos Monkees tem a alegria que seria explorada posteriormente pelos Mutantes.

Antonio Marcos - Você Pediu E Eu Já Vou Daqui
Embora hoje pouco lembrado pela nova geração, basta conversar com alguém que viveu o auge do movimento para perceber o quando Antonio Marcos fez sucesso.

Ronnie Von - Meu Bem
Tá certo que Ronnie Von nunca colocou os pés no palco da Jovem Guarda. Muito pelo contrário, rivalizava com outro programa. Todavia, o Pequeno Príncipe antes de lançar os hoje cultuados discos psicodélicos, fez bastante sucesso com canções de sonoridade típica da Jovem Guarda, sendo assim, eu acabo colando no mesmo saco. Sem ofensas, Tio Ronnie.

The Jordans
Tenho uma simpatia extrema por esses veteranos da Mooca que até hoje mantém o legado da música instrumental no estilo do Shadows. Tudo com muito carisma e qualidade. E o Aladdin é um senhor guitarrista.

Silvinha Araújo - Splish Splash
Essa talentosa cantora infelizmente acabou abandonando sua carreira dentro da música pop para se enveredar no ramo dos jingles (alguns dizem que por pressão/ciúmes do Eduardo Araújo), onde obteve bastante êxito. Talvez tenhamos perdido a grande estrela pop brasileira.

Golden Boys - Pensando Nela
Ótima versão para "Bus Stop" do Hollies. É legal como um grupo vocal quase doo-wop pega elementos instrumentais do beat inglês e cria algo único.

Jerri Adriani - Calcei Sapatos Novos
Figura carismática, grande cantor e ótimas canções, vide essa.

Outros nomes importantes que percorreram pelos caminhos da Jovem Guarda:
Sérgio Reis, Vanusa, Wanderley Cardoso, Deny e Dino, Martinha, Ronnie Cord, Paulo Sérgio, Trio Esperança, Lafayette e Seu Conjunto, The Fevers, O'Seis (Pré-Mutantes), Os Minos (grupo do Pepeu Gomes), Brazilian Bitles, Os Baobas, Carlos Imperial (sim, ele mesmo!), dentre outros.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: David Bowie - Young Americans (1975)

Em 1975, David Bowie já não era mais aquele personagem andrógino glam/proto-punk que surpreendera o mundo anos antes. Apaixonado pela soul music da gravadora Philadelphia International (PIR) - que incluía no seu cast nomes como The O'Jays e Billy Paul - e pelos shows de James Brown e Curtis Mayfield que assistira no Apollo Theatre (Harlem), Bowie fez uma viagem pela música negra americana e virou um crooner esquelético, cocainômano, obcecado por Aleister Crowley.



Para estruturar essa sua nova fase, Bowie se uniu no estúdio Electric Ladys com um time de estrelas conhecidas apenas pelos fãs de soul music: Carlos Alomar, guitarrista porto-riquenho que havia tocado com James Brown; Andy Neewmark, baterista que fez parte da Sly And The Family Stone; David Sanborn, requisitado saxofonista que gravou com Stevie Wonder, Albert King, Gil Evans e Todd Rundgren; dentre outros talentosos músicos.

Logo na virada de bateria e na melodia de sax da introdução de "Young Americans", já elevamos o astral ao máximo. Extremamente swingada e atenta aos problemas sociais enfrentados pelos jovens americanos, a faixa tem um refrão em coro irradiante.

Enquanto Carlos Alomar e Bowie brilham na bela "Win" e na balada delirante/dançante "Right", quem rouba a cena na grooveada "Fascination" (sobre cocaína?) é o baixista Willie Weeks.

Mais uma vez guiado pelo sax de Sanborn e com influência da música gospel, "Somebody Up There Likes Me" se revela um ataque a Nixon. Já "Can You Hear Me" é muito mais simples em sua temática romântica, embora dona de arranjo orquestrado primoroso.

O álbum ainda reserva duas participações importantíssimas: a do guitarrista Earl Slick e do eterno beatle John Lennon. Ambos marcam presença em "Across The Universe" - a única que remete aos tempos de Ziggy Stardust, para muitos melhor que a versão original do grupo de Liverpool e dona de ótima bateria de Dennis Davis -, e "Fame", o grande sucesso do disco, que fecha a obra atacando a indústria da música. O hit é sustentado pela guitarra ultra swingada de Alomar.

O Camaleão mais uma vez ditou tendências. Poucos anos depois, a disco music estouraria diluindo muito do que Bowie já havia conquistado em Young Americans.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: Cartola - Cartola II (1976)

Alguns sambistas da velha guarda são hoje lembrados com reverência. Cartola, com justiça, talvez seja o maior exemplo disso. Todavia, sua carreira demorou para decolar. 


Sendo um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira - Escola de Samba que ele canta amores em "Sala de Recepção" -, isso ainda na década de 1920, sumiu do radar da indústria musical e reapareceu somente na década de 1950. 

Seu talento foi marginalizado. Prova disso é que ele só foi conseguir lançar seu primeiro (e fundamental) disco em 1974, justamente pelo pequeno e importantíssimo selo Discos Marcus Pereira. O prestigio tardou, mas veio com força. Logo ele estava trabalhando em mais uma obra, agora com respaldo da crítica/artistas/gravadora. Nascia o clássico Cartola II (1976).

A serena foto da capa apresenta um compositor veterano de vida pacata. Já as composições não tratam de superficialidade, mas sim dos sentimentos de um homem no auge de sua sabedoria.

Diferente do que brota do morro para o asfalto nos tempos atuais - vide o funk carioca (e digo isso sem qualquer moralismo) -, é impressionante o grau de riqueza poética, sensibilidade melódica e sofisticação harmônica. Tudo isso ganhou ainda mais nitidez através dos arranjos do lendário Dino 7 Cordas.

A linda "O Mundo É Um Moinho" - com o violão de um ainda jovem Guinga -, abre o disco sendo uma lição de vida para a juventude em forma de melodia e poesia. A faixa fez sucesso e tornou-se um hino da música brasileira. O mesmo vale para a espetacular "As Rosas Não Falam", capaz de levar as lágrimas um ouvinte desavisado. Emocionante.

Outras canções de sua autoria abrilhantam o disco, vide "Cordas de Aço", "Peito Vazio" e a radiante "Não Posso Viver Sem Ela". O mesmo brilho trazem composições de outros autores, vide "Preciso Me Encontrar" (Candeia) - com direito à um inusitado e sofisticado fagote no arranjo -, e "Senhora Tentação" (Silas de Oliveira), ambas interpretadas singelamente pelo Cartola.

A Revista Rolling Stone Brasil elegeu o disco como 8º melhor da música brasileira. Nada mal para um álbum feito por um senhor de 66 anos.

sábado, 22 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: Daft Punk - Homework (1997)

Desde os tempos de Pierre Schaeffer, a França está na crista da onda da música eletrônica. Em meados da década de 1990, isso se confirmou novamente através do Daft Punk, duo de mascarados formado por Guy-Manuel de Homem-Christo - que raio de nome é esse? - e Thomas Bangalter, que despontou através de singles lançados pelo pequeno selo escocês Soma.


Entre os singles estava "Da Funk", um hino das boates e, posteriormente, quando lançado no álbum de estreia do grupo - Homework, de 1997, ano seminal para consolidação da música eletrônica -, um clássico das raves, assim como "Rollin' & Scratchin'", outra faixa dessa primeira leva.

A house nunca soou tão retro-futurista. Isso porque o grupo se apropriou da disco music setentista e do synthpop oitentista para fazer deles ritmos do novo milênio. A isso se deu o nome de french house. Tudo isso pode ser conferido no hit "Around The World", faixa que ganhou o público na base da insistência melódica altamente repetitiva e, consequentemente, dançante. Lógico que o clipe lúdico também ajudou na popularização do grupo. 2 milhões de cópias vendidas foi o resultado.

Havia nas entranhas da dupla influência de rock alternativo, hip hop, p-funk, techno e acid house, além de timbres típicos dos sintetizadores Roland TB-303 e vocais robotizados (vocoders) oriundos do Kraftwerk. Muitas dessas referências são citadas na reverencial "Teachers".

Electro, techno, house ou simplesmente música pop. Não importa sua preferência, esse clássico da música eletrônica tem tudo que precisa para agradar o ouvinte. Tão minimalista quanto estrondoso e certeiro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Leonard Cohen não é maior que Caetano e Gil

Em minha caminhada apaixonada pelo mundo da música, me tornei profundo admirador de lados discrepantes.

Um dos lados é aquele do Marcelo Nova, que diz que "é baiano, mas não é Caetano", em detrimento a toda "turma do dendê". Essa mesma postura é adotada por críticos/jornalistas que admiro, vide o André Barcinski e André Forastieri. Sempre vi tudo isso com muito humor e certa dose provocativa saudável.

Todavia, outro lado me puxa para as obras do Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas/compositores/criadores que sempre tive muito respeito e admiração. Até quando eles erram - por exemplo, na negação ao boicote de Israel - suas atitudes são carregadas de tanto valor que valem ao menos pela discussão. Resumindo, são artistas ousados e inquietos, e só por isso já mereceriam minha admiração. Mas ambos não são "só" isso.

Ontem tive a oportunidade de vê-los pela primeira vez em cima do palco. E foi maravilhoso! Em uma apresentação minimalista - apenas voz e violão, com pouca iluminação e cenário básico contendo as bandeiras dos estados brasileiros - Caê e Gil mostraram a conhecida riqueza de suas composições e o talento subestimado de suas interpretações.


Logo de cara ambos cantaram em uníssono a bela "Back In Bahia", um blues cheio de saudade composto por um artista exilado. Pouco depois "Tropicália", com direito a impactante frase "eu organizo o movimento" sendo dita por aquele que liderou um dos maiores acontecimentos artísticos do Brasil. Até mesmo uma nova canção de autoria da dupla foi tocada pela primeira vez - histórico! -, falo da tão bobinha quanto graciosa "As Camélia do Quilombo de Leblon".

E choveram outras pérolas: a emocionante/clássica "Sampa", a poesia épica de "Terra", a londrina "Nine Out Of Ten", a estranha (no bom sentido) "Odeio Você" e a belíssima "Tonada de Luna Llena", todas traçando o perfil do Caetano Veloso, um compositor genial e cantor de dramaticidade interpretativa particular.

Puxando a sardinha para o Gilberto Gil - cantor/violonista/compositor espetacular - conferi embasbacado/emocionado a linda "Esotérico", o pop perfeito "Drão", a impactante/tensa "Não Tenho Medo Da Morte" - onde até mesmo o tempo pareceu prendeu a respiração enquanto a canção reverberava no espaço -, a exuberância violonista de "Três Palavras" e a clássica "Expresso 2222". Por mais que prefira os discos de Caetano aos do Gil, no palco é o segundo que rouba a cena.

Já para o final da apresentação, ambos mergulharam no amor pela Bahia e na aproximação com o forró, axé e outros ritmos regionais, vide "São João, Xango Menino" e "Filho de Gandhi". A bossa "Desde Que O Samba é Samba" foi ouvida em maravilhoso silêncio (coisa rara em tempos onde show virou "balada"). Já a espetacular/histórica "Domingo No Parque" inevitavelmente remeteu ao festival da Record de 1967, com direto ao seu final cantado de pé e a plenos pulmões por todo o público. O mesmo ocorreu com a chatinha "A Luz de Tieta", a subestimada "Leãozinho", a interessante "Nossa Gente (Avisa Lá)" e a fraquíssima "Three Little Birds", que fechou o show não fazendo jus a grande apresentação da dupla. Felizmente, já era tarde para abalar duas carreiras de 50 anos de canções emblemáticas.

De certeza, apenas que Caê e Gil são geniais, tanto quanto Leonard Cohen, Bob Dylan, David Bowie ou Paul McCartney. Uma provocação boba dita com seriedade. Não espere eles morrerem para perceber isso.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: Jane's Addiction - Ritual De Lo Habitual (1990)

O Jane's Addiction saiu do ambiente alternativo de Los Angeles para disputar o posto de uma das principais bandas do rock. Assinaram com uma grande gravadora e lançaram um cultuado álbum de estréia - Nothing's Shocking (1988), pela Warner -, que pavimentou a estrada do promiscuo cenário alternativo ao mainstream da MTV. Com Ritual De Lo Habitual (1990), o segundo disco do grupo, o caminho já estava trilhado e o resultado sonoro foi ainda melhor.


Indo na contra-mão do hard rock óbvio, o Jane's Addiction abusou de diferentes influências para construir seu som. A abertura explosiva de "Stop!" já desperta o ouvinte para uma abordagem funkeada do hard rock. O mesmo acontece na divertida "Been Caught Stealing".

Dave Navarro é um guitarrista rítmico talentoso, criador de bases que transitam pelo funk e o heavy metal. Já seus solos insanos trazem ao virtuosismo da época elementos delirantes do rock psicodélico. Isso fica evidente na épica "Three Days".

Se o lado acústico impera em "Classic Girl" e experimentações com a música oriental surpreendem em "Of Course", a banda soa poderosa em canções como "No One's Leaving" e "Ain't No Right", além de progressiva em "Then She Did...", sendo sustentada pela ótima cozinha formada por Stephen Perkins (bateria) e Eric Avery (baixo). Todavia, quem reina na linha de frente é o enigmático vocalista Perry Farrell, que entre doses de heroína, letras surreais e uma postura que funde Mick Jagger com Iggy Pop, se destaca na performance de "Obvious".

Ainda que a banda não tenha segurado a onda e seus problemas internos tenham eclodido pouco depois do lançamento do disco, ela tornou-se a ponte de ligação do Guns N' Roses para o Nirvana, sendo Ritual De Lo Habitual um marco do rock alternativo. Com o fim do grupo, Navarro teve uma boa passagem pelo Red Hot Chili Peppers e o Farrell deu luz ao festival Lollapalooza. Entretanto, a grande contribuição de ambos está mesmo no Jane's Addiction.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: Ozzy Osbourne - Blizzard of Ozz (1980)

A década de 1980 não parecia promissora para Ozzy Osbourne. Um outrora ícone de uma das principais bandas de heavy metal, se via agora desempregado, musicalmente superado, falido e viciado tanto em álcool quanto em cocaína.


Já enclausurado em seu mundo decadente, no aguardo do esquecimento, eis que uma garota chamada Sharon, filha de um magnata da indústria musical, se apaixonada pelo desprezado rockeiro. Ambos encontram na paixão a disposição para dar uma nova rota ao Príncipe das Trevas.

Para isso, Ozzy precisava de uma banda. Entre inúmeros guitarristas testados, encontrou no ex-Quiet Riot, Randy Rhoads, a união perfeita. O guitarrista modernizou a linguagem do heavy metal através de seus riffs e solos com forte influência da música erudita, além de pegada e timbres vibrantes. Deste approach saiu a clássica "Crazy Train".

Mas é a alucinante "I Don't Know" que abre o disco, evidenciando um timbre muito mais esganiçado do Ozzy quando se comparado aos tempos de Black Sabbath.

Entre baladas como "Goodbye To Romance", a peça erudita "Dee" (dedicada a mãe de Rhoads) e a problemática "Suicide Solution" (que embora seja sobre alcoolismo, foi acusada de incitar ao suicídio um adolescente em 1986), o verdadeiro destaque é a épica "Mr. Crowley", canção sobre o mago ocultista, de introdução fúnebre e solo de guitarra virtuoso. A música tornou-se o cartão de visita do jovem guitarrista, que faleceu tragicamente num evitável acidente de avião, sem deixar grande número de canções registradas, mas o suficiente para ser sempre lembrado como um dos principais músicos da época.

O disco foi um sucesso e deu novo gás a carreira do Ozzy, embora nenhum outro trabalho posterior tenha alcançado o mesmo êxito artístico. Os talentosos Bob Daisley (baixo) e Lee Kerslake (bateria) reivindicaram na justiça (e ganharam) o direito por royalties atrasados. Desta forma, na versão remasterizada do disco lançada em 2002, Sharon optou excluir seus instrumentos originais e substitui-los por takes dos novos (e talentosos) músicos da banda do Ozzy. Nem preciso falar pra priorizar a versão original do disco, né? Clássico do heavy metal.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

ACHADOS DA SEMANA: The Doors, Joe Satriani, Dr. Sin e Mulheres Q Dizem Sim

THE DOORS
Adoro ver vídeos dos Doors, Janis Joplin e outros tantos artistas que ouvia na infância, época onde meus ídolos "não se mexiam", ficavam estáticos, nas poucas fotografias que eu tinha acesso. Isso nem sendo tão velho assim. Pode parecer saudosismo, mas juro que não é. Prefiro a facilidade do YouTube.

JOE SATRIANI
Eu serei caçoado se disser que meu primeiro contato com música eletrônica foi através deste disco? Obs: Prodigy e seu hit "Breathe" não conta.

DR. SIN
O anúncio do fim do Dr. Sin na semana do meu aniversário é a comprovação de que o tempo é implacável, comigo e com a banda.

MULHERES Q DIZEM SIM
Banda alternativa do cenário carioca noventista. Embora tenha feito pouco barulho na época, foi mega influente pra musica brasileira. Tudo que o Los Hermanos queria ser. Tem algo de Mr. Bungle ali no meio. Lembrando que o Domenico e o Pedro Sá faziam parte da formação.

TEM QUE OUVIR: 13th Floor Elevators - The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators (1966)

Muitos atribuem, com certa doze de razão, a São Francisco o posto de berço do rock psicodélico. Todavia, uma lenda local de Austin (Texas) é que é a verdadeira embaixadora dos elementos lisérgicos no rock. Falo do 13th Floor Elevators.


Fazendo estardalhaço bluseiro/caipira desde 1965, a banda lançou no ano seguinte uma pérola cult do rock psicodélico: The Psychodelic Sounds Of The 13th Floor Elevators, uma obra alucinante da capa até a ultima nota.

Embora o disco não tenha feito grande sucesso, "You're Gonna Miss Me" conseguiu chamar atenção do público. Também, não dava para passar indiferente diante de tamanha paulada, iniciada com um riff de guitarra estrondoso, recheada por berros uivantes dignos de um James Brown psicótico. Um clássico do acid rock e garage rock.

O dono de tal voz potente é Roky Erickson, um jovem talentoso que fez de suas experiências com LSD, cogumelos, mescalina e o que mais pintasse pela frente, combustível para sua música. Infelizmente, o cobaia pagou alto preço por isso. Ao ser apanhado com maconha, teve que escolher entre ir pra prisão ou pra um manicômio. Escolheu a segunda opção e se deu mal. Entre choques elétricos e doses cavalares de amplictil, virou um zumbi atormentado por, segundo ele, "marcianos, demônios e outras aberrações". A banda não passou do ano de 1968.

Mas o que encontramos no disco? A fantasmagórica "Roller Coaster", a bela balada "Splash 1", a espacial "Reverberation (Doubt)", a sombria/detetivesca "Fire Engine" (regravada pelo Television) e a intensa "Tried To Hide". Todas embaladas pelo estranho som de um jarro microfonado usado como instrumento de sopro.

Ídolos locais de Austin, o grupo demorou décadas para transcender os limites da terra natal. Todavia, hoje são reconhecidos como ícones do rock psicodélico, tendo influenciado integrantes do ZZ Top, The Stooges, Ramones, Mudhoney, Jesus And Mary Chain, Butthole Surfers, Primal Scream, Spiritualized, dentre outros.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: Duran Duran - Rio (1982)

Para quem nasceu na década de 1990, é difícil dimensionar a relevância do Duran Duran na cultura POP. Filhos da new wave, foram aliciados por uma recém inaugurada MTV, que fez do grupo um símbolo de juventude, moda e sexualidade. Uma mistura bombástica de hormônios, regado com muito dinheiro, cocaína e, embora muitas vezes ignorada, uma qualidade musical latente, vide o resultado alcançado no ótimo Rio (1982).


Como uma espécie de segunda invasão britânica, o quinteto - que ganhou o apelido de Fab Five com alusão óbvia ao Fab Four dos Beatles - não demorou para estourar nos EUA. A fama de bonitinhos e as superproduções bancadas pela EMI ajudaram neste alcance comercial. Mas nada adiantaria se o som não fosse atrativo. E era, até para quem negava. Era impossível passar ileso diante das melodias pop exploradas neste segundo disco, que vinham carregadas por um balanço dançante exclusivo do espetacular baixista John Taylor, vide o hit "Rio".

A partir daí despontou para todo o mundo o que ficou conhecido como New Romantic, vertente mais pop da new wave, com incursão pelo synthpop e de grande influência para o indie rock 00's. Mas a principal característica talvez não fora musical, mas sim comportamental, já que os grupos pertencentes ao estilo - coloque neste comboio Human League, Ultravox, ABC, Japan, Spandau Ballet -, tinha um valor visual latente, despertando paixão nos jovem, principalmente nas meninas, para desespero dos rockeiros mais conservadores.

O melodic rock/aor da faixa "My Own Way" é sustentado pelo baixo funkeado de John Taylor, a guitarra tipicamente oitentista do subestimado Andy Taylor, os teclados outrora futuristas de Nick Rhodes e a bateria complexamente dançante de Roger Taylor.

É indiscutível a qualidade das ótimas "Lonely In Your Nightmare", "New Religion" e "The Chauffeur". Todavia, foram a quase hard rock "Hungry Like The Wolf" e o mega hit "Save A Prayer" (com direito a um emblemático - e oriental - riff de teclado) que impulsionaram as vendas do disco e fizeram da banda um estrondoso sucesso.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

25 discos para entender o rap

Recentemente, selecionei para o blog Maria D'escrita alguns discos fundamentais para entender o rap. Era para ser 10, foi para 15, pulei para 20 e parei em 25. Nenhum absurdo para um estilo tão amplo e com mais de quatro décadas de existência. Isso porque eu ignorei o "proto-rap", ou seja, artistas/álbuns/músicas que influenciaram o hip hop, mas que não pertencem ao gênero. Exemplo? Escute "Say It Loud, I'm Black & I'm Proud" (James Brown) e "The Revolution Will Not Be Televised" (Gil Scott-Heron) e entenda onde eu quero chegar.

De qualquer modo, a lista ficou suficientemente abrangente. Se você se interessa minimamente por música e cultura pop, escute todos.


01: Grandmaster Flash And The Furious Five - The Message (1982)
O primeiro legitimo disco de hip hop. Da genial capa - representado as ruas do Bronx e a estética visual do movimento - até o último arranhão da agulha no vinil, The Message é um documento antropológico. O groove funkeado de canções como "She's Fresh" e "It's Nasty" cativa até mesmo quem não gosta de rap. Já a frenética "Scorpio" tem o peso e a batida direcionada para o miami bass do Afrika Bambaataa e o p-funk do George Clinton. Mas foi o discurso social de "The Message" que capturou os jovens/negros/pobres de Nova York para o hip hop. Sua letra interpretada no "canto falado" foi instantaneamente assimilada e deu voz a quem até então não tinha. Não por acaso a canção foi escolhida em 2012 pela revista Rolling Stone como a melhor música do hip hop de todos os tempos. O brilhantismo do Grandmaster enquanto DJ está representado na espetacular "The Adventures Of Grandmaster Flash On The Wheels Steel", onde ele faz uma salada musical com trechos de canções do Chic, Queen, Blondie, dentre outros, mixando tudo e aplicando magistralmente varias técnicas, dentre elas o scratch. Histórico!

02: Run-D.M.C. - Run-D.M.C (1984)
Oriundo do Queens (Nova York), o Run-D.M.C. representa a transição do estilo para uma abordagem ainda mais contestadora e agressiva, tanto no discurso quanto nas bases. Embora a produção fosse bastante crua, os ritmos diretos extraídos de bateria eletrônica são brutais. "Hard Times" talvez seja o maior destaque neste sentido. Jam Master Jay pilota as pickups, jogando na cara scratches primorosos, samples pontuais, além de explorar com sabedoria os sintetizados da época, vide o que acontece na faixa que leva seu nome, "Jam-Master Jay". O grupo trouxe também as guitarras do rock para a sonoridade do rap. "Rock Box" é o maior exemplo dessa abordagem. De forma de cantar feroz - com rimas sofisticadas, letras engajadas e entrosamento espantoso - a dupla formada por Rev Run e Darryl McDaniels DMC é impiedosa em "Hollis Crew" e "Sucker M.C.'s". Já "It's Like That" é um hino da primeira geração do hip hop.

03: Afrika Bambaataa And The Soul Sonic Force - Planet Rock - The Album (1986)
Assim como Grandmaster Flash e o DJ Kool Herc, Afrika Bambaataa é um dos alicerces do hip hop, não só devido seu trabalho social com a Zulu Nation, mas também graças a faixa "Planet Rock", lançada originalmente 1982. Todavia, esse disco lançado em 1986, que faz um apanhado dos singles de toda sua carreira até então, é o mais completo para entender sua influência não só para o rap, mas também para o miami bass, techno, house, dance music e até mesmo para o funk carioca. "Planet Rock" é o primeiro hino do hip hop. Seu groove é ultra dançante. Os timbres dos clássicos Roland TR-808 são ainda hoje interessantes. Já os samples retirados da obra do Kraftwerk mostra a grande percepção sonora do Bambaataa. É sensacional pensar que o rap surgiu como uma forma de conscientizar e entreter as classes mais pobres da sociedade via a música robótica alemã. Isso só poderia sair de uma mente inquietante como a do Afrika Bambaataa.

04: Public Enemy - It Takes A Nation of Million To Hold Us Back (1988)
Para produzir rap é necessário elevar o dom da comunicação a níveis estratosféricos, isso sem abrir mão do conteúdo revolucionário e do talento musical herdado da música negra. Poucos grupos fizeram isso com tanta propriedade quanto o Public Enemy. O líder/compositor Chuck D. é um letrista furioso, sendo que seus textos ganham ainda mais força quando recebem sua voz impiedosa, vide a nervosa "Black Steel In The Hour Of Chaos". Já o figurão Flavor Flav não limita sua peculiaridade a suas roupas, mas também ao seu esquizofrênico estilo de cantar, vide "Cold Lampin' Whith Flavor". Dentre tantas faixas emblemáticas, "Don't Believe The Hype" e "Bring The Noise" não podem passar despercebidas. São clássicos indiscutíveis e eternos do hip hop.

05: N.W.A. - Straight Outta Compton (1988)
A capa: seis negros com cara de poucos amigos, sendo que um deles aponta uma arma para a lente da câmera (ou se preferir, sua cabeça) e o selo da Parental Advisory (aquele mesmo promovido pela conservadora Tipper Gore, colocado em discos com uso "abusivo" de violência e sexualidade) estampado com orgulho. Eis a criação do gangsta rap. A faixa "Gangsta Gangsta" é quem batiza o gênero. DJ Yella, Dr. Dre, Eazy-E e Ice Cube foram os responsáveis por produzir os beats musculosos e cuspir as letras explicitamente violentas do disco, sendo "Fuck The Police" a mais emblemática, principalmente por ter incomodado formalmente o FBI. E as polêmicas não param por aí. O clipe de "Straight Outta Compton" foi proibido de rodar na programação da MTV. A censura estava instalada - censura essa prevista na letra de "Express Yourself" -, assim como o sucesso, já que tudo isso fomentou as vendas do disco. Eis o primeiro clássico da costa oeste.

06: Beastie Boys - Paul's Boutique (1989)
Licensed To Ill, o disco anterior do Beastie Boys, já havia feito tremendo burburinho por ser o primeiro de rap a alcançar o topo das paradas americanas. Mas esses três branquelos judeus foram ainda mais longe com Paul's Boutique. Saindo do até então pequeno selo Def Jam (do Rick Rubin) e indo para a grande Capitol, o amadurecimento musical do trio fica explicito, muito disso graças a produção em conjunto com os Dust Brothers. A sofisticação sonora se justifica na escolha dos samples não autorizados - que vão de Curtis Mayfield à Led Zeppelin -, nos grooves elaborados, na qualidade dos arranjos e até mesmo no amadurecimento gradual das letras, ainda que elas mantenham a atitude descompromissada/juvenil quase punk do primeiro disco. Entre as melhores faixas estão a sacolejante "Shake Your Rump", a sofisticada "The Sounds Of Science", a pesada "Locking Down The Barrel Of A Gun" e a genial "What Comes Around". Recomendado até mesmo para quem tem um pé atrás com o estilo.

07: De La Soul - 3 Feet High and Rising (1989)
Formado por três negros de Long Island, o grupo contou com a ajuda do produtor Prince Paul para trazer de volta o clima festivo ao hip hop. Com capa psicodélica e clima hippie - justificado no conteúdo pacifico, divertido e harmonioso do álbum - o disco caiu nas graças do público e da imprensa, chegando ao cumulo da NME - revista com predileções para o rock inglês - premia-lo como "Álbum do Ano". Letras de amor como a de "Eye Know" se contrapunham ao estilo gangsta que explodia paralelamente através do N.W.A.. Apesar dessa encantadora abordagem descontraída das letras, a maior riqueza do álbum está na escolha primorosa dos samples. Led Zeppelin, The Monkees, James Brown, Michael Jackson, Steve Miller Band, Kraftwerk, Steely Dan, Hall & Oates, Bo Diddley, Wes Montgomery, Funkadelic, The Commodores, Ray Charles... mais parece uma coletânea de boas canções recortadas e cobertas por letras que, por mais legais que fossem, ficavam em segundo plano. Essa festa de samples desencadeou num processo judicial devido o uso ilegal das faixas, culminando numa série de burocracias envolvendo o sample. Depois disso o rap nunca mais foi o mesmo. Simbolo máximo da estética/cultura Native Tongues.

08: LL Cool J - Mama Said Knock You Out (1990)
Pioneiro do estilo, responsável diretamente pela inserção do hip hop na cultura pop e até mesmo astro do cinema, LL Cool J é acima de tudo um artista inquieto. Todavia, sua transição para um rap com temática romântica não foi muito bem recebida. Voltando a abordar temas corriqueiros das ruas, Mama Said Knock You Out (1990) é o registro definitivo de um dos artistas precursores do rap em seu auge consideravelmente tardio. LL voltara a ter o prestígio que nunca deveria ter perdido. Sucesso de crítica e público, logo "The Boomin' System" e "Around the Way Girl" - com veia pop bastante perceptível -, estão entre os maiores sucessos do rap.

09: Cypress Hill - Cypress Hill (1991)
Maconha, vestígios de música latina e produção inovadora, trazendo não somente samples, mas um trabalho de manipulação de áudio impecável. Essa é a fórmula adotada por Cypress Hill, grupo de raízes cubanas que fazia de sua abordagem funkeada e amor pela erva uma mistura dançante. Mérito do DJ Muggs. Neste clima divertido é possível destacar "Pigs", "Hole In The Head" e "Psychobetabuckdown".

10: Ice-T - OG Original Gangster (1991)
Um manual prático do gangsta rap. Curiosamente, ao contrário de muito que é feito nesta subvertente do hip hop, o disco usa temas urbanos violentos não para seduzir, mas para destruir. Até quando ofende, Ice-T justifica. Interpretar as letras é uma tarefa desafiadora, o que por si só já é interessante. Com relação ao instrumental, impossível não se deixar levado pelos timbres pesados de baixo, o som de caixa na cara e os samples de James Brown, Funkadelic e Sly & The Family Stone. É o perfeito boom bap. Discaço que prevê o Body Count.

11: Gang Starr - Step In The Arena (1991)
Duas pickups e um microfone, ferramentas básicas, mas que na mão deste fantástico duo se transforma no que de melhor já foi produzido no rap. Letrista fenomenal, além de MC fantástico, Guru dominava a palavra como poucos. Ao contrário do que estava em voga, voltou para a clássica abordagem contestadora do hip hop em detrimento da descartável busca por mulheres e dinheiro. O lendário DJ Premier é um gênio da produção. Seu flerte com o jazz é ultra criativo. Quem acha que DJ não é músico, deve se atentar imediatamente ao trabalho desse criador inquieto. Impossível apontar faixas destaques, é uma melhor que a outra. Disco fundamental!

12: A Tribe Called Quest - The Low End Theory (1991)
De todos os discos citados aqui, esse é o menos datado. Muita da sua sonoridade remete até mesmo ao rap feito atualmente. Isso porque o grupo encabeça a vanguarda do hip hop. Sua incursão pelo jazz através dos samples é maravilhosa. As letras conseguem tratar temas sérios com humor. Daqui saiu diversas pérolas como "Escursons", "Buggin' Out", "Check The Rhime" e "Jazz (We've Got)". Embora menos lembrado, The Low End Theory é parte fundamental da história do hip hop.

13: Dr. Dre - The Chronic (1992)
The Chronic foi um dos discos responsáveis pela popularização do gangsta rap e do gênero g-funk, além de ter relevado um jovem/talentoso MC chamado Snoop Dogg. Além da sua grande influência musical, o álbum vendeu feito água. Todavia, ao ouvir o disco, é preciso entender e se abster das letras. Afinal, o festival de machismo, homofobia, violência e auto vangloriarão não deve ser interpretado com seriedade. Musicalmente o álbum é uma aula de bom gosto na utilização de samples: em "Fuck Wit Dre Day" tem Funkadelic; em "Let Me Ride" James Brown e "Stranded On Death Row" tem Isaac Hayves. Já "Lyrical Dandband" contém a participação de vários MCs, como The D.O.C, Kurupt e o próprio Snoop Dogg. Kl Jay (DJ/produtor dos Racionais MC's) disse que "Dr. Dre está para o rap assim como Quincy Jones está para o funk". Ao escutar The Chronic percebemos que a analogia é justíssima, para desespero de Eazy-E.

14: Snoop Doggy Dogg - Doggystyle (1993)
Uma das características mais atraentes no hip hop é que ele não é puritano. Ele não é feito para agradar os pais, as autoridades, manter a ordem ou soar "correto". Ele é a expressão de seu artista e se tal artista for um mulherengo maconheiro, que a música assim seja. Da capa, passando por diversas letras, vários são os pontos questionáveis de Doggystyle, mas foi exatamente isso que atraiu a molecada e fez do disco um estrondoso sucesso, tornando a obra umas das principais do west coast hip hop. Felizmente, o que é inquestionável é a produção impecável, cheia de groove, horas até mesmo remetendo ao Parliament, vide "G Funk Intro", popularizando o gênero g-funk. Não se espante se encontrar uso de flauta doce e sintetizadores para a criação de ótimas melodias. Destaques? "Gin And Juice", "Serial Killa" e "Who Am I (What's My Name)". Obs: mais uma produção de Dr. Dre.

15: Wu-Tang Clan - Enter The Wu-Tang (36 Chambers) (1993)
Mais que um grupo, Wu-Tang Clan é um importante coletivo que reúne diversos dos mais talentosos rappers nova-iorquinos, dentre eles RZA, Ghostface Killah, Raekwon, GZA e Ol' Dirty Bastard. Esse disco de estreia não alcançou grande sucesso comercial, mas tornou-se referência não só pela sonoridade, mas também pela forma com que seus integrantes trabalhavam em conjunto. Diferente de tudo que era feito, Enter The Wu-Tang soa muito mais arrojado que qualquer outro trabalho de rap do período, tanto no que diz respeito as bases ultra caprichadas - e em alguns momentos até mesmo jazzistica, vide as espetaculares "Bring Da Ruckus" e "Wu-Tang: 7th Chamber" -, quanto das letras, que fugiam do estereótipo violento gangsta, chegando a incluir temáticas surpreendentes, como artes marciais. Ok, rola algumas ofensas gratuitas e amostras do amor pela maconha, mas tudo num contexto criativo. A pluralidade de flows presente na obra dá um ritmo complexo ao disco. Se unidos o Wu-Tang Clan perdeu a força, seus membros isoladamente não pararam. Todavia, é esse o principal trabalho de todos os envolvidos.

16: Nas - Illmatic (1994)
Oriundo de Queensbridge e filho de pai jazzista, Nas, ao contrário de de seus contemporâneos, investiu em suas letras uma abordagem mais séria sobre a periferia, não alimentando a guerra comercial e física que ocorria através do gangsta rap (ao menos inicialmente). Lançado pela Columbia, o trabalho é quase conceitual, embora não carregue nenhum charme épico, afinal, suas letras resumem o que havia de pior no conjunto habitacional em que o rapper foi criado. Em meio a tráfico de drogas, overdoses, assassinatos e tiroteios, a consciência poética do artista procura retratar a realidade sem glorificar o crime ou pregar a barbárie. A produção, as bases e os samples (que vão do jazz ao funk) são extremamente pesados. Entre os produtores do disco está o talentosíssimo DJ Premier, que participa nas impecáveis "N.Y. States Of Mind", "Memory Lane (Sittin' In Da Park)" e "Represent". Illmatic é o puro east coast hip hop lançado de forma mais profissional e bem acabada. A seriedade de suas composições é o que torna o disco um eterno clássico e exemplo de qualidade musical (e social) dentro do estilo.

17: The Notorious B.I.G. - Ready To Die (1994)
Muito se fala sobre a rivalidade sangrenta envolvendo o hip hop da costa oeste com o da costa leste dos EUA. Embora a guerra entre as gangues fosse igualmente brutal, musicalmente falando Notorious B.I.G. carregou praticamente sozinho a bandeira da costa leste (o Nas e o Wu-Tang sempre foram mais "alternativo"). Restou ao Ready To Die (1994) - único álbum em vida assinado por B.I.G. - representar o east cost hip hop. A primeira coisa que chama atenção é sua capa emblemática, que quando somada ao nome premonitório do disco, torna-se chocante. Sonoramente, o peso da produção, o som de caixa na cara, as linhas de baixo encorpadas, os barulhos de tiro e a escolha primorosa de samples, chamam a atenção até mesmo de quem não gosta de rap. Entre diálogos e sons ambiente que ajudam a construir um enredo sonoro quase épico, Notorious B.I.G. não poupa xingamentos e ameaças, personificando o comportamento dos traficantes que conheceu quando era apenas um garoto pobre de Nova York. Da sombria "Things Done Changed", passando pela obscena "One More Chance", a ostensiva "Juicy", a funkeada "Machine Fot Funk", a melódica "Bog Poppa" e as espetaculares "Everyday Struggle", "Me & My Bitch" e "Unbelievable" (com produção do DJ Premier), o disco não perdoa ninguém. É o rap em seu estado mais perigoso e pesado.

18: Tupac Shakur - Me Against The World (1995)
Descrever mais uma vez a guerra sangrenta que aconteceu no gangsta rap é desnecessário. O principal a ser falado aqui é a capacidade de Tupac com as palavras. Sua produtividade era impressionante. Neste disco, devidos seus problemas com a justiça que o levaram para a prisão, ele aparece mais reflexivo. Seu processo de trabalho em diversos estúdios com vários produtores não atrapalhou o acabamento final do álbum. Dr. Dre (sempre ele) dá as caras em "If I Die 2Nite"; a linda "Me Against The World" traz um belo refrão melódico; "So Many Tears" se apropria de Stevie Wonde; e desta forma é costurado um trabalho espantosamente comovente.

19: Fugees - The Score (1996)
Devido a violência presente dentro da cena hip hop, era comum o estilo ser discriminado e pertencer a um nicho. Não sei se foi a presença feminina encantadora de Lauryn Hill, o conteúdo pacífico das letras ou flerte com a r&b, mas fato é que The Score trouxe de vez o rap para o mundo pop. Basta lembrarmos da linda "Killing Me Softly With His Song" (Roberta Flack). Mas o disco ainda tem outras pérolas, vide "How Many Mics", "Ready Or Not" ("enquanto você imita Al Capone, vou ser Nina Simone") e "No Woman, No Cry" (Bob Marley). Finalmente era possível os pais ouvirem rap junto com os filhos.

20: Racionais MC's - Sobrevivendo No Inferno (1997)
Se tem um disco que define o rap nacional é o Sobrevivendo No Inferno dos Racionais MC's. É evidente que a evolução do rap no Brasil já vinha acontecendo bem antes do lançamento deste clássico álbum. Até mesmo o grupo já tinha conseguido certo destaque anteriormente com faixas como "Domingo No Parque". Ainda assim, é inegável a contribuição cultural e comportamental do disco para a música brasileira. Da brilhante "Jorge da Capadócia" (Jorge Ben), recitada sob o sample de "Ike's Rap II" do Isaac Hayves; passando por "Capítulo 4, Versículo 3", um clássico do hip hop, principalmente após a emblemática apresentação do grupo no VMB de 1998; "Diário De Um Detento", em que Mano Brown narra o Massacre do Carandiru; "Mágico de Oz", em que Edi Rock da voz às crianças abandonadas das ruas de São Paulo; e pelo groove esperto do Kl Jay em "Fórmula Mágica da Paz"; Sobrevivendo No Inferno sobrevive como o melhor, maior e mais importante disco do hip hop nacional. Clássico absoluto que moldou jovens - da periferia ou não - para o rap e para a vida.

21: Eminem - The Marshall Mathers LP (2000)
Quando Eminem despontou com o disco The Slim Shady LP (1998), muita gente torceu o nariz para aquele branquelo loiro falando bobagens. Como resposta, e com supervisão de Dr. Dre, Eminem continuou a explorar suas narrativas surreais, só que agora com um conteúdo mais sério, percorrendo por seus problemas pessoais, musicando tudo como um épico cinematográfico. O sucesso foi acachapante! Logo o disco estava batendo recordes de venda. Sustentando o álbum estavam os hits "Stan" (de refrão pop/melódico cantado pela Dido) e "The Real Slim Shady", ambas com clipes que rodaram incansavelmente na programação da MTV. Entretanto, as melhores faixas são "Remember Me?" e "Amythiville". 13 anos depois, Eminem lançou a segunda parte da obra, definitivamente sem a mesma força.

22: Jay-Z - The Blueprint (2001)
Questões sociais sempre estiveram presente no hip hop. Mas quando o dinheiro começa a cair na conta, cantar sobre as ruas tende a soar falso. Curiosamente, isso não acontece com Jay-Z. Ele tem o prestígio musical/poético para fazer o que quiser. Sonoramente, The Blueprient é o melhor feito de Z, principalmente por abusar do estilo old school, sampleando com autoridade pérolas da soul music/r&b. Ajudando no feito estava um ainda jovem Kanye West. Entre as principais canções estão "Izzo (H.O.V.A.)" e "Momma Loves Me". Mesmo recebendo insulto de caras como o Nas, estar esperando um julgamento por porte de arma e ter o disco lançado num fatídico 11/09, o álbum alcançou grande prestígio entre o público e crítica.

23: OutKast - Speakerboxxx/The Love Below (2003)
Uma pequena trapaça, já que são duas obras lançadas como uma só. Após o sucesso do também essencial Stankonia (2000), esse importante duo sulista volta com mais um discão, só que agora com os egos inflados. A dupla formada por Big Boi e André 3000 decidiu lançar seus respectivos discos solos distribuídos num trabalho duplo do grupo. Essa fórmula transformou-se num verdadeiro ringue para ver quem lançaria o melhor álbum. Speakerboxxx, do Big Boi, é muito mais fácil de se enquadrar no território do rap, embora repleto de experimentações na produção e doses de psicodelia ébria típica do southern hip hop. Entre os destaques estão a delirante "Ghetto Musick", a funkeada "The Rooster" e a pesada "Bust". Já The Love Below, o lado do André 3000, é muito mais abrangente, flertando sem pudor com o jazz, funk, soul e a música pop. Falando em música pop, alguém é capaz de citar um hit feito nos últimos anos que seja melhor que "Hey Ya!" ou "Roses"? Talvez em nenhum outro momento na história da música, o conflito de interesses dentro de um um grupo tenha sido tão produtivo. O rap ainda tem muito com o que aprender com o Outkast.

24: Kanye West - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)
Não é nenhum exagero considerar o Kanye West um dos principais artistas do século XXI. Seu estilo transcende gêneros. Sua personalidade megalomaníaca reflete em sua obra, sempre com ares épicos e de sonoridade enorme. Da melódica "Dark Fantasy", passando pelo sample de King Crimson em "Power", o pop estrondoso "All Of The Lights" (com participação da Rihanna) e a pesada "Monster" (com mãos de Jay-Z e Rick Ross), tudo soa extremamente impactante. Mesmo que haja deslizes nas letras, os ganchos são tão poderosos que se sobressaem na audição.

25: Kendrick Lamar - To Pimp A Butterfly (2015)
Não há desculpas para quem em pleno 2015 torce o nariz pro rap. Do Death Grips ao Run The Jewels, o estilo é um dos mais ousados da atualidade. A última grande bomba do hip hop veio via Kendrick Lamar. Pouca gente (ao menos no Brasil) se deu conta de estar vendo nascer um clássico diante dos olhos. Tão experimental quanto pop, o trabalho do rapper chega a remeter ao… Prince. Buscando referências no jazz e r&b, criando enredos viajantes, além gírias e rimas complexas (e nessa hora o distanciamento linguístico prejudica muito), Kendrick criou uma obra acessível e complexa. Claro que a produção do Flying Lotus e participação de caras como Pharrell Williams, Thundercat e Robert Glasper também ajudam. Todavia, é o próprio Kendrick que faz canções como "u", "The Black The Berry" e a épica "Mortal Men" brilharem.

Discos limados no último corte da lista.
> Eric B. & Rakim - Paid In Full (1987)
> Ice Cube - The Predator (1992)
> Mos Def - Black On Both Sides (1999)
> Madvillain - Madvillainy (2004)
> Common - Be (2005)

TEM QUE OUVIR: Little Richard - Here's Little Richard (1957)

Ao conhecer a vida do Little Richard é fácil entender o porque dele ter despertado atenção de imediato. Negro, pobre e gay, vivendo num país racista e homofóbico, Little Richard arquitetou o rock não só com sua abordagem musical visceral, mas também através da atitude comportamental.


Here's Little Richard (1957) apresenta o jovem artista com herança da música gospel, mas que colocou a juventude para dançar embalada pelo seu piano pesado/virtuoso (e a bateria consistente do Earl Palmer, sejamos justos). Sonoramente, suas canções são o mais puro rock n' roll ainda em fase embrionária e marginal, com toques de gospel, boogie-woogie, doo-wop e rhythm & blues.

Da roupa alinhada e topete levantado - inspirado no pouco lembrado Esquerita -, além de presença imponente ao piano, Little Richard sabia como atrair olhares. E se alguém ousasse se distrair, seus berros de ganho e tessitura impressionantes chamavam de volta a atenção. Ele mais parecia um Ray Charles com doses extras de anfetamina.

Lançado em compacto dois anos antes e regravada também por Elvis Presley, "Tutti Frutti" é o grande clássico não só do disco, mas de toda a carreira de Little Richard. Sem dúvida um dos grandes hinos do rock. Seu icônico "A-wop-bop-a-loo-bop-a-lop-bam-boom!" não me deixa mentir. O conteúdo irreverente, sexual e de raiz musical negra, levou a faixa a ser banida de diversas rádios dos EUA. Nada disso impediu a canção de bater em cheio a toda uma geração jovem que surgia.

Outras faixas também se destacam e mostram a energia embasbacante do artista, vide "Ready Teddy" (extremamente dançante e interpretada com uma ferocidade impressionante); "Slippin' And Slidin" (com direito a ótimo solo de sax, numa época em que o instrumento estava na linha de frente do estilo), "Long Tall Sally" (quantos cantores dariam tudo para ter essa voz, principalmente esse "ôôôô" cheio de vibrato?), "Rip It Up" (com destaque para o groove de guitarra) e "Jenny Jenny" (de piano entorpecido e vocal alucinado).

Resumo: Here's Little Richard é ainda hoje um grande registro de rock. Divertido e extremamente influente (não é mesmo, John Lennon?), a obra ajudou a dar vida ao estilo e tornou-se o álbum mais vendido de toda a carreira de Little Richard. Feito incrível para um disco de estreia.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

0025: The Kinks - You Really Got Me (1964)

O Kinks surgiu sem fazer grande burburinho. Apesar da excelência, seus dois primeiros singles passaram completamente despercebidos. Mas com "You Really Got Me" a coisa começou a mudar.

Lançado como single e posteriormente presente no clássico disco de estreia do grupo, a canção escancara as intenções da banda. Ray Davies começara a projetar sua genialidade.

Seu riff por si só já é emblemático, mas a música é mais que isso. O uso de power chords, o timbre distorcido alcançado através de cortes de gillette no falante do amplificador, o solo visceral, a bateria pesada, a pandeirola dançante, a voz convicta... resumindo, uma composição/execução/gravação brilhante feita por um dos mais importantes grupos da invasão britânica.

Tem quem diga que a guitarra foi gravada pelo Jimmy Page. Alguns negam (Dave Davies não quer largar o osso), outros afirmam, mas ninguém parece ter certeza. De fato está que o teclado foi gravado pelo Jon Lord (sim, o mesmo que posteriormente encabeçou do Deep Purple).

Entre regravação do Van Halen e ótimas posições em qualquer lista de melhores canções do rock, a audição de "You Really Got Me" continua acachapante.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

TEM QUE OUVIR: The Chemical Brothers - Dig Your Own Hole (1997)

O ano de 1997 foi emblemático para a música eletrônica. Embora muitos grupos estivessem pavimentando seus próprios caminhos desde o inicio da década, aqui todos se encontram em lançamentos espetaculares. Foi assim com o Prodigy, Daft Punk e, claro, The Chemical Brothers, duo formado por Tom Rowlands e Ed Simons, que despontou através do clássico Dig Your Own Hole (1997).


A abertura do disco com o peso alucinante de "Block Rockin' Beats" evidencia toda energia dançante do big beat. Tem cada timbre espetacular de synth.

A farra se estende pela faixa que nomeia o álbum, embalada por uma linha de baixo delirante e groove pesado.

Se o balanço funk/disco é perceptível em "Lost In The K-Hole", por outro lado o grupo começa a dar sinais de flerte com o pop melodioso na linda "Where Do I Begin?", com direito a participação da cantora Beth Orton. Já "Setting Sun" é uma maravilhosa produção rocker que mistura sample de Beatles com a voz de Noel Gallagher em timbres corrosivos de sintetizadores.

O single "Elektrobank" - como esquecer o clipe dirigido pelo Spike Jonze com atuação da Sofia Coppola? -, traz o clima de uma fuga cinematográfica, com direito a sintetizadores esquizofrenicamente encorpados. O rumo dançante se faz presente na estranha "Piku", que se apropria dos timbres do hip hop. Já a mistureba acid house de "It Doesn't Matter" é uma amostra definitiva da qualidade musical da dupla.

Finalizando o trabalho temos a épica "The Private Pschedelic Real", que como deixa explícita no nome, é uma viagem delirante pelas mais variáveis nuances que a música eletrônica dispõe. 

O que antes se resumia a festas esfumaçadas e transpirantes nos porões londrinos, a partir daqui tomava de assalto os grandes festivais. A música eletrônica chegara no topo em grande estilo.