sábado, 28 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: Ornette Coleman - The Shape Of Jazz To Come (1959)

Em algum momento distante, a música do Ornette Coleman soava tão pouco usual que ele foi chamado de charlatão. Hoje sua obra continua desafiadora, mas não é mais possível ignorar sua ousadia e talento. 


The Shape Of Jazz To Come (nome tão pretensioso quanto premonitório) inaugura no jazz algo que já vinha há décadas sendo explorada na música erudita: a não hierarquia dos sons. Não que Ornette Coleman usasse as fórmulas ou séries dodecafônicas de Schöenberg. Muito pelo contrário. Ele deu um chute na tonalidade através da liberdade na improvisação.

Apesar das dificuldades e preconceitos de sobreviver como músico, já que era um garoto pobre que usava um terrível e barato sax de plástico, além de sua visão nada ortodoxa da música, fato é que através da insistência e do burburinho, Coleman conseguir um contrato com a Atlantic.

Antes mesmo de invocar o rótulo de free jazz - fato que se deu com o lançamento de um disco homônimo ao subgênero -, a concepção de improvisações ácidas, levada rítmicas espontâneas, harmonias complexas e interação calorosa tão característica da vertente já dominava The Shape Of Jazz To Come.

Se por um lado "Lonely Woman" tem um tema bastante melódico - embora com intervalos dissonantes -, a sequência de "Eventualy" é pura maluquice. Logo após o tema cheio de urgência, a faixa deságua em solos insanos tanto do Ornette Coleman quanto do trompetista Don Cherry. Cromatismo, vibratos exagerados e frases velozes dominam a música.

Após o lindo tema de "Peace", quem salta aos ouvidos é o lendário Charlie Haden, que ataca seu baixo acústico com elegância tanto no walking bass, quanto com o arco. O solo de Coleman é fluente e demonstra domínio sobrenatural de seu instrumento.

O quarteto completado pelo baterista Billy Higgins desce desenfreado ladeira abaixo em "Focus On Sanity" e "Chronology", fechando uma obra que estará para sempre na vanguarda do jazz. Parafraseando Charlie Haden: "O legado deste disco será o de abrir fronteiras e não ficar satisfeito com o status quo".

sexta-feira, 27 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: The Cramps - Songs The Lord Taught Us (1980)

Sinopse: um casal que exala sexo, fanático por grupos obscuros de garage rock e filmes B de terror, se une a dois malucaços de Nova York para montar uma banda. Não consegue imaginar no que isso vai dar? Nem precisa! Basta escutar Songs The Lord Taught Us, disco de estreia dos Cramps.


Não espere qualidade técnica de execução, muito menos de gravação. Embora o disco tenha sido produzido por Alex Chilton, a sonoridade passa longe da sofisticação do Big Star. Todavia, as composições e a energia presente no disco são de força inquestionável.

Logo de cara "TV Set" já demonstra a sujeira básica e divertida que o grupo liderado por Lux Interior (voz) e Poison Ivy (guitarra) propunha, mesmo cantando sobre um bizarro psicopata.

Influenciados por rockabilly, garage e surf rock, a banda surgiu em meio ao movimento punk. Nada mais óbvio então que os estilos se fundiram, temperado por alucinógenos e noites frenéticas. Nascia assim o psychobilly. Faixas como "Rock On The Moon" resumem perfeitamente essa abordagem sonora.

O amor do casal pelas décadas de 1950 e 1960 é manifestado em "Strychnine" do Sonics (muito antes do grupo virar cult), além de"Tear It Up" (Johnny Burnette) e "Fever" (Little Willie John).

Frasista genial, Lux cospe letras bem boladas, como a de "Mystery Plane". Em alguns momentos surgem referências do cinema de terror, vide "What's Behind The Mask".

Impossível não ficar alucinado com a guitarra imunda de "Sunglass After Dark", o riff/solo paranoico recheado eco de "Garbageman" e o ritmo dançante "The Mad Daddy".

O Cramps foi uma das melhores bandas da história do rock. Muito mais por sua atitude nos palcos e pegada visceral do que por obedecer padrões estéticos/sonoros. No final, é disso que se trata o rock.

ACHADOS DO DIA: Trey Anastasio, Marina Lima, 10cc e Drive-By Truckers

TREY ANASTASIO
O ótimo guitarrista do Phish num showzão ao ar livre. Tá aí um lugar para se estar.

MARINA LIMA
Honestamente nem sou tão chegado nas músicas da Marina (embora reconheça sua elegância dentro do pop brasileiro), mas lembrei dessa linha de baixo do Liminha e fui reouvir. É muita boa.

10CC
O power pop encontra o art rock. Bandaça setentista ultra subestimada.

DRIVE-BY TRUCKERS
Faz uns 10 anos que o Drive-By Truckers é uma das melhores bandas de rock da "atualidade". Para quem gosta de southern rock e também de indie, não pode deixar de ouvir.

quinta-feira, 26 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: Os Paralamas do Sucesso - Selvagem? (1986)

Ao lado do Barão Vermelho, Os Paralamas do Sucesso foi a principal banda brasileira de rock a despontar na década de 1980 através do Rock In Rio. O grupo fez isso com muita competência técnica, identificação com o público jovem em meio a uma derradeira ditadura militar e até mesmo copiando trejeitos sonoros do The Police. Ainda que ótima, essa fórmula tinha prazo de validade. Sendo assim, com o terceiro disco - Selvagem? (1986) - o grupo buscou uma linguagem própria que garantiu longevidade para a banda.


Com o BRock oitentistas se firmando como a nova música pop/jovem brasileira, os Paralamas foram de encontro as raízes sonoras tupiniquins. O rock nacional poucas vezes teve um sotaque tão latino. 

A influência da guitarrada/lambada se faz presente em diversas faixas, evidenciando o flerte não só com a MPB, mas também com a música da América Central, embora sempre guiado pela pegada rockeira do trio. Isso pode ser sentido na clássica (e caribenha) "Alagados", de refrão não menos que poderoso.

Já a influência de ska, dub e reggae é nítida em "Teerã" (letra dramática, belo solo de guitarra!) e na divertida "Melô do Marinheiro", ambas com ótimas linhas de baixo do Bi Ribeiro. "There's A Party" chega até mesmo a remeter ao The Specials. 

"A Novidade" tem a mesma pegada calcada nos ritmos jamaicanos, só que aqui com destaque para a letra do Gilberto Gil. Sem dúvida uma das mais memoráveis canções do rock brasileiro.

João Barone é um baterista espetacular, que demonstra toda sua habilidade no dub "O Homem". Já a guitarra rítmica precisa de Herbert Vianna salta aos ouvidos através do riff de "Selvagem", que contém uma letra infelizmente atemporal.

Vale ainda se atentar para a fantástica "Marujo Dub", também calcada no estilo jamaicano, provavelmente pela primeira vez em território brasileiro.

Selvagem? é indiscutivelmente um clássico do rock nacional, que assim como tantos outros da década de 1980, foi produzido pelo Liminha. O mais importante disco do Paralamas.

terça-feira, 24 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: Gentle Giant - The Power And The Glory (1974)

"Expandir as frontes da música popular contemporânea, correndo o risco de se tornar bem impopular". Tendo a consciência dessa proposta, é mais fácil apreciar a sofisticação do Gentle Giant.


The Power And The Glory é sexto álbum da banda. Não é um destaque comercial e sequer uma ruptura dentro da discografia do grupo. É apenas mais um trabalho de excelência absurda, que estava em sintonia com o mundo, tendo em vista que foi lançado no auge do rock progressivo.

Um dos grandes méritos do Gentle Giant é que eles exploram a virtuosidade sem soar massivo. As composições sempre trazem sofisticações interessantes. Tá certo que as inúmeras variações rítmicas, a utilização de compassos pouco usuais no rock, além de estruturas elaboradas (como fugas e madrigais), melodias complexas e até mesmo instrumentos como cravo, alaúde, harpa, cello e vibrafone, causam distanciamento de alguns, mas a viagem após embarcada é extremamente gratificante.

Lançado pelo selo Vertigo, o disco narra a trajetória de um político se corrompendo em seu cargo. Se o tema é atual, os arranjos de caráter erudito tendem a soar datado. Nem por isso deixa de ser esplendoroso ouvir Kerry Minnear, Ray Shulman, Gary Green, John Weathers e Derek Shulman (que mais tarde virou um importante executivo da PolyGram), pulando de instrumento em instrumento, transbordando qualidade técnica, groove e bom gosto melódico.

Como todo bom lançamento de rock progressivo, o disco não tem uma faixa destaque. Sua narrativa como um todo é que faz a magia acontecer. Em tempos de mediocridade, a aventura musical do Gentle Giant soa subversiva.

sexta-feira, 20 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: Ministry - The Land Of Rape And Honey (1988)

O Ministry pode ser divido em duas fases: na primeira, a banda bebia do som dançante do New Order e Depeche Mode, não se saindo tão bem quanto suas referências. Na segunda, o grupo sofre uma mutação e agrega guitarras insanas aos pesados ritmos eletrônicos, criando um estilo único que seria batizado como rock industrial. Isso se deu justamente no acachapante The Land Of Rape And Honey (1988).


A banda nada mais é que o alter ego do seu líder, o porralouca Al Jourgensen, que fazia da sua vida e de seus shows um perigoso e atraente ato, regado a drogas, confusões e obscenidades. O mais legal é que sua personalidade conturbada é refletida em sua música.

Embora seja a figura central do Ministry, foi em parceria com Paul Barker que Al encontrou seu caminho sonoro. A bateria eletrônica estranhamente dançante - embora swingada feito uma britadeira - soma-se perfeitamente aos timbres agressivos das guitarras e sintetizadores, além dos berros esquizofrênicos de Al em "Golden Dawn", "Destruction", "The Land Of Rape And Honey" e "You Know What You Are".

Em meio a esse conceito apocalíptico nasceu a clássica "Stigmata", faixa que foi decisiva para o que viria fazer anos depois grupos como Nine Inch Nails, The Prodigy, Korn, dentro outros.

É incrível como "The Missing" e "Deity" transitam tanto no punk rock e thrash metal quanto no pós-punk e bigbeat. Já "Hizbollah" mergulha em território eletrônico.

Talvez aqui esteja a pedra fundamental do cruzamento da música eletrônica com o rock, embora provavelmente Al Jourgensen estivesse apenas externando toda a loucura que passava por sua mente corrosiva. The Land Of Rape And Honey é pura adrenalina e chapação. 

terça-feira, 17 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: Arrigo Barnabé - Clara Crocodilo (1980)

Embora nascido em Londrina (Paraná), Arrigo Barnabé foi um dos principais nomes da chamada Vanguarda Paulista (nome dado em homenagem ao Teatro Lira Paulistana), uma reunião de grupos/músicos/compositores - vide Itamar Assumpção, Grupo Rumo, Preme, Tetê Espindola, Ná Ozzetti, Isca de Policia, Patife Band, dentre outros - que desafiavam estruturas sonoras. O primeiro e principal registro deste movimento foi Clara Crocodilo (1980), uma referência em diversas questões, musicais ou não.


Sendo destaque em festivais universitários - em meio a aplausos e vaias - Arrigo Barnabé, pouco compreendido por gravadoras e produtores, lançou o álbum em formato independente, um pioneirismo que não comprometeu a qualidade técnica do trabalho, muito pelo contrário, garantiu a liberdade necessária para que ele e seus músicos colocassem em pratica sua singularidade composicional. Após o lançamento, não demorou muito para que seus shows recebessem figuras carimbadas da MPB, como Caetano Veloso, Rita Lee, Elis Regina, dentre outros.

Explorando não somente séries dodecafônicas - como acontece em "Office Boy" -, mas também outros módulos atonais executados em ritmos complexos - vide "Sabor de Veneno" (com direito a espetacular linha de baixo do Tavinho Fialho) -, Arrigo trouxe para a música popular brasileira elementos da música erudita do século XX, principalmente de compositores como Schöenberg e Béla Bartók.

As letras percorrem o caos das metrópoles e se assemelham a histórias detetivescas de quadrinhos. Já a interpretação vocal transita entre o erudito e a caricatura teatral/circense (no bom sentido) de um jornalista investigativo. Total Gil Gomes. Isso fica evidente na complexa "Infortúnio" e principalmente em "Clara Crocodilo". 

Falando em quadrinhos, vale lembrar que a capa do disco é de autoria do Luiz Gê, um dos mais criativos ilustradores da sua geração.

Impossível não atentar-se aos timbres de teclados e as frases esquizofrênicas de sax em "Diversões Eletrônicas", além do insano coro vocal feminino (e pré-Blitz) de Tetê Espindola e Vânia Bastos em "Acapulco Drive-In" e "Orgasmo Total". Uma aula de contraponto.

Não é difícil encontrar quem reconheça a Vanguarda Paulista como principal movimento da música brasileira pós-Tropicália. Embora com outros discos espetaculares, Clara Crocodilo continua sendo o grande ato deste período riquíssimo. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Entrando na polêmica dos plágios (ou "Apenas "plágios" que EU identifiquei")

10 em cada 10 portais de músicas estão falando sobre plágio. Tudo isso porque o Robin Thicke e Pharrell Williams foram condenados a pagar uma fortuna para a família do Marvin Gaye por conta do plágio descarado da divertida "Blurred Lines", que copia na cara dura a fantástica "Got To Give It Up".

Como todo mundo está falando sobre plágio, postarei aqui músicas que, se não são cópias, ao menos parecem muito com outras.

Se quiserem saber sobre plágios concretos, vide os inúmeros do Led Zeppelin, ou casos históricos como quando Rod Stewart se rendeu ao Jorge Ben, procure em outro lugar. Postarei aqui apenas curiosas "semelhanças" que eu reconheci durante audições aleatórias, não que eu li em algum lugar. Se são plágios eu não sei, muito provavelmente não. Só estou jogando palha na fogueira mesmo.

Pixies ("Where Is My Mind") vs Smashing Pumpkins ("Today") vs Radiohead ("No Surprises")
Três das bandas mais importantes do rock alternativo em introduções com semelhanças. O incrível é que todas das faixas tiveram sucesso. A divisão rítmica e os intervalos melódicos são bastante parecidos (mas não idênticos). Ouçam e julguem. Não se deixe confundir pelos timbres distintos.

Pantera ("Rise") vs Helmet ("Unsung")
Riffs praticamente idênticos, não fosse o andamento mais arrastado do Helmet. Curiosamente, ambas foram lançadas em 1992, mas a do Pantera saiu antes. 

Led Zeppelin ("Going To California") vs Pearl Jam ("Given To Fly")
Essa todo mundo tá ligado, mas cheguei a conclusão sozinho. Até o Robert Plant já brincou com as semelhanças. Acho que foi na cara dura mesmo.

The Damned ("Life Goes On") vs Killing Joke ("Eighties") vs Nirvana ("Come As You Are")
Logo que conheci o Killing Joke, soube da acusação de plágio envolvendo "Come As You Are", que tem o riff "roubado" de "Eighties". Inclusive, pelo que me lembro (e pode conter erros), o Jaz Coleman abriu mão de processar a banda por conta do suicídio do Kurt Cobain. Posteriormente, o Dave Ghrol gravou as baterias de um disco do Killing Joke, o ótimo Killing Joke (2003). Agora, o que nunca tinha ouvido falar, é que "Life Goes On", lançada antes de todas, tem um riff igualmente parecido. Como você explica isso, Jaz Coleman? 

Muse ("Stockholm Syndrome") vs Dream Theater ("Never Enough")
Há semelhanças na melodia e até mesmo na forma e interpretação. É nítida a vontade do Dream Theater de dar uma "musesada".

The Byrds ("Mr. Spaceman") vs Raul Seixas ("S.O.S.")
Até a temática é parecida. Para um país que mal havia desenvolvido seu rock, acho natural copiar na fonte. Vale dizer que gosto muito mais da música do Raul que a do Byrds (que é bacana também, claro).
 
The Police ("Canary In A Coalmine") vs Caetano Veloso ("Eclipse Oculto")
Muito já foi dito sobre o Velô (1984) ser o álbum em que o Caetano surfa na onda da explosão mercadológica do rock nacional. O interessante é que ele fez isso tão bem, que acabou soando mais parecido com o Police do que o Paralamas. O astral das faixas é muito parecido.

Procol Harum ("Cerdes" (Outside The Gates Of)") vs Wilco ("Hate It Here")
Fui um dia ouvir a música do Procol Harum e de imediato lembrei dessa do Wilco. Os primeiros versos são melodicamente (e até interpretativamente) bem parecidos. Pra piorar, o solo da introdução tem a mesma "intenção". Não sei não...

Joy Division ("The Eternal") vs João Bosco ("Malabaristas do Sinal Vermelho")
Um daqueles casos que eu acho que é apenas coincidência melódica, embora até mesmo a temática guarde certa semelhança. Entretanto, não acredito que o João Bosco conheça a música do Joy Division. Nem por isso deixa de ser uma comparação interessante.

quinta-feira, 12 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: T. Rex - Electric Warrior (1971)

Marc Bolan foi uma das mentes mais atuantes do rock inglês. Persistiu no underground durante anos, despontando após vários discos com o Electric Warrior (1971) do T. Rex, um documento fundamental para o glam rock. 


Nem sempre a capa de um disco, por melhor que seja, retrata seu conteúdo. Nada de errado com presença imponente de Marc Bolan em frente aos amplificadores, condizente com a visceralidade sonora. O problema é que a foto merecia mais cores, quem sabe até mesmo um bocado de purpurina e plumas espalhafatosas, retratando a imagem impactante de seu líder nos palcos. Não a toa se deu a banda o desnecessário rótulo de gliter rock.

Doses de sacanagem e um groove que só o Bolan parecia ter é sentido logo de cara na ótima "Mambo Sun". Calcado no rock n' roll básico - horas com pitada de soul, gospel ou blues -, faixas como "Jeepster" são perfeitas para dançar. Já o clima cósmico/lisérgico nos timbres de "Monolight", "Planet Queen" e "The Motivator" é exclusivo do T. Rex, ainda que muito do mérito se deva a produção do Tony Visconti.

A intensidade de "Rip Off" é impressionante. O arranjo espetacular da maravilhosa "Cosmic Sun" e a bela balada "Girl" podem ser postas lado a lado com o que David Bowie fazia nessa época. Já o riff de guitarra na clássica "Bang A Gong (Get It On)" - que chegou ao Top 10 dos EUA - faria até mesmo Keith Richards ficar com inveja. 

Infelizmente, Marc Bolan morreu ainda jovem num acidente de moto. Todavia, deixou ótimos registros, sendo Electric Warrior o principal ao lado do posterior The Slider (1972), mas isso é assunto para um próximo "Tem Que Ouvir".

terça-feira, 10 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: My Bloody Valentine - Loveless (1991)

Após o esporro melódico dado ao mundo pelo Jesus And Mary Chain, dezenas de bandas brotaram no Reino Unido fazendo um som denso, barulhento, repleto de guitarras invasivas. Já a postura era acanhada. A isso se deu o nome de shoegaze. My Bloody Valentine é a banda mais celebrada do estilo e seu segundo álbum, Loveless (1991), um clássico ainda hoje cultuado/copiado.


Kevin Shields, que fez de sua guitarra fender jazzmaster um símbolo do rock alternativo, extrai do instrumento timbres enormes e distorções vibrantes, que formam uma nuvem sonora abstrata e volumosa, disputando espaço com a voz etérea e delicada da Bilinda Butcher. Incrivelmente tudo se encaixa, vide a maravilhosa "Only Shallow", um hino da geração shoegaze. Sua introdução é uma rajada de sons nocauteantes.

O constante nível de saturação da guitarra se contrapõe a delicadeza das composições. Isso pode ser exemplificado em "Loomer" e "To Here Know When", que abrem mão de sons percussivos em busca de algo intimista, obscuro e com traços da música ambient e drone.

Embora pouco ortodoxa, é perceptível a abordagem pop em faixas como "When You Sleep" e, principalmente, na exuberante "Sometimes" (adoro esse timbre de guitarra!), que foi posteriormente usada no filme Encontros e Desencontros (2003) da Sofia Coppola.

A repetição em loop na bela "I Only Said", o clima espacial de "Blown A Wish", além dos bends e tremolos hipnotizantes em "Come In Alone" (linda melodia) e "What You Want", também merecem destaque.

Apesar do culto imediato que a obra recebeu, a banda entrou num hiato que só foi encerrado 25 anos depois. Além disso, o custo elevado do álbum quase quebrou a gravadora Creation. Ao menos a beleza ruidosa de Loveless se manteve preservada.

quinta-feira, 5 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: The Sonics - Here Are The Sonics (1965)

Numa descrição rápida, Here Are The Sonics (1965) do Sonics pode ser explicado como "o punk antes do punk, o grunge antes do grunge". Só por isso ele já merece estar na discoteca básica de qualquer um.


Influenciados por Jerry Lee Lewis e Little Richard, esse quinteto do isolado noroeste americano, mais precisamente de Seattle (pois é!), adotou a postura Do It Yourself antes mesmo da ideia se difundir. Montaram uma banda, ensaiaram na garagem e passaram a tocar pela região, já que nenhum outro artista se propunha a viajar até lá em meados da década de 1960.

Se a atitude já transborda punk rock, o som então é de fazer os ouvidos sangrarem. A bateria mais parece um trator desgovernado descendo ladeira abaixo. A distorção da guitarra faz os Kinks soarem uma banda folk (embora os ingleses fossem influência para o Sonics). Os vocais berrados e as letras sobre anfetamina ("Strychine") são ainda hoje surpreendentes. Já o inusitado sax dobrando os riffs de guitarra faria John Coltrane repensar a cacofonia.

Em meio a esse caótico e maravilhoso barulho temos a clássica "The Witch", versões acachapantes para "Roll Over Beethoven" e "Good Golly, Miss Molly" e as não menos que geniais "Hoss Boss", "Dirty Robber" e "Psycho".

Como tudo que foge a regra, a banda não fez sucesso comercial algum, tendo se dissolvido poucos anos depois. Seus integrantes só foram voltar a tocar 40 anos depois do lançamento deste álbum. Neste meio tempo, integrantes dos Stooges, MC5, Ramones, The Cramps, Nirvana, The Hives e Jack White ouviram o disco até furar. O grande clássico do garage rock sessentista.

terça-feira, 3 de março de 2015

ACHADOS DO DIA: Dr. Feelgood, Kylesa, John Mayall & The Bluesbrakers e Nick Cave

DR. FEELGOOD
Timbraço de guitarra e pegada precisa da mão direita do Wilko Jonhson. Fora o fantástico olhar de anfetamina.

KYLESA
Static Tension (2009) é uma aula de riffs fantasmagóricos do século XXI.

JOHN MAYALL & THE BLUES BREAKERS
Adoro o disco com o Eric Clapton, mas o fraseado do Peter Green é ainda mais maravilhoso.

NICK CAVE
Faixa preciosa feito uma pérola.

domingo, 1 de março de 2015

TEM QUE OUVIR: B.B. King - Live At The Regal (1965)

Reconhecer se uma música é boa ou ruim é fácil, basta desprender-se de preconceitos e perceber se o artista toca ou não sua sensibilidade. É claro que contextos técnicos e históricos são importantes, mas o resultado final é a música, sendo justamente ela que se faz presente no instinto do ouvinte.


Seja nos versos cantados com sua voz potente ou numa única nota tocada magistralmente na guitarra, B.B. King é pura emoção desde os tempos em que era apenas mais um plantador de algodão no sul dos EUA, mais precisamente em Mississippi. Através do seu sofrimento pessoal, carregou para sua arte a legitimidade de um veterano rei do blues.

B.B. King vinha lançando compactos desde 1949, mas gravou seu primeiro álbum somente em 1960, chegando no seu auge criativo e interpretativo no meio daquela década, com o ao vivo Live At The Regal, reunindo o melhor que havia feito até então.

Lindas melodias, vibrato enorme e timbre inconfundível não se restringem a sua famigerada guitarra Lucille. B.B. King é um cantor subestimado, que narra com autoridade suas letras, ora tristonhas ("It's My Own Fault"), ora divertidas (You Upset Me Baby"), mas sempre sinceras. Até mesmo seus constante diálogos com a platéia são musicais.

Econômico, seu fraseado repleto de bends expressivos, é uma aula para qualquer guitarrista. Não atoa influenciou nomes como Buddy Guy, Jimi Hendrix, Eric Clapton, Santana, Mick Taylor, Mike Bloomfield, Johnny Winter, Mark Knopfler, Stevie Ray Vaughan, John Mayer, dentre tantos outros, definindo desta forma grande parte da linguagem da guitarra blues.

Entre os destaques enquanto instrumentista brilhante que é estão "Every Day I Have The Blues", "Please Love Me" e, principalmente, "Worry Worry". O resto da banda apresenta a mesma categoria e deixa o público em delírio na ótima "How Blue Can You Get".

Direto e avassalador, eis o supra-sumo da guitarra blues.