sábado, 30 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Bauhaus - Mask (1981)

Batons pretos em bocas conhecidas me fazem crer que a moda gótica voltou. Ou seria apenas uma tendência labial? Possivelmente tenha até mais ligação com a Lorde ou algum filme na linha do Crepúsculo do que com a Siouxsie Sioux. De qualquer forma, achei que era hora de tirar a poeira de uma das mais legais obras do rock dark/gótico. Falo do seminal Mask (1981) do Bauhaus, lançado pela 4AD.

 

Com um espetacular (e pesado) disco de estreia já no currículo, o Bauhaus confirma em Mask sua maturidade nos quesitos timbres, arranjos e composição. Os teclados e violões presentes na bela "Passion Of Lovers" é um sinal claro da evolução não só do grupo, mas também do pós-punk.

Na linha de frente da banda está o vocalista Peter Murphy e o guitarrista Daniel Ash, mestre em texturas ruidosas, vide "Hair Of The Dor", que é embalada pela bateria tribal de Kevin Haskins e o baixo melódico de David F. Essa consistente e subestimada cozinha chega a flertar com o funk na ótima "Kick In The Eye", sendo a faixa uma espécie de "David Bowie mórbido".

A guitarra esquizofrênica de Ash combina perfeitamente com a letra delirante de "Of Lillies And Remains". Em alguns momentos, tudo soa perturbadamente dançante, vide o que ocorre em "Muscle In Plastic" e, evidentemente, em "Dancing". Já o lado mais dark fica explicito na épica "Hollow Hills", de clima gélido, noturno e amedrontador. Dá pra ver a lua em meio a neblina.

"In Fear Of Fear" tem traços tanto do pós-punk quanto de funk, reggae, free jazz e krautrock, sendo uma das melhores (e criativas) faixas do grupo. Mas é a tensa "Mask" - um dos mais improváveis singles - que fecha esse álbum extremamente influente. Danzig, Billy Corgan, Trent Reznor, Marilyn Manson, Steve Albini, Jello Biafra, Peter Steele e Stuart Braithwaite assinam embaixo.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Curtis Mayfield - Super Fly (1972)

Quando o assunto é Super Fly, é oportuno separar o filme de sua trilha sonora. Se na sétima arte o clássico longa de blaxploitation não é grande coisa, em disco a trilha sonora elaborada por Curtis Mayfield é digna dos melhores momentos da soul music.


Curtis Mayfield vinha há anos acumulando alguns singles de sucesso desde o tempo que integrava o Impressions, vide o clássico hino gospel "People Get Ready", lançado em 1965. Todavia, foi na década de 1970, quando ele guinou sua letras para problemas sociais dos bairros mais pobres dos EUA, envolvendo conflitos raciais, crimes e drogas, que ele atingiu o auge de sua popularidade e qualidade artística. Neste disco, "No Thing On Me (Cocaine Song)" é a canção que melhor evidencia essa direção. 

Além de compor e cantar como poucos, Curtis é um subestimado guitarrista, sendo a base de canções como "Pusherman" uma preciosidade das seis cordas, com direito a um dos melhores timbres de wah-wah da história. E seu talento não para aí, já que a produção do disco é assinada exclusivamente por ele.

O groove alucinante de percussão, o arranjo de cordas na introdução, as frases de trombone, além dos timbres de teclado em "Little Child Runnin' Wilde" são espetaculares. Tudo isso é embalado pela voz suave, porém intensa, de Curtis.

Sucessos como "Freedie's Dead" e "Superfly", ambas com lindas orquestrações, linhas de baixo pulsantes e groove contagiante, viraram matéria prima para inúmeros samples, que o diga Beastie Boys, Notorious B.I.G., Racionais MC's e tantos outros. 

As viagens instrumentais propostas em "Junkies Chase" e "Think" (linda progressão de acordes) são maravilhosas. Já o arranjo de "Give Me Your Love" é apaixonante.

Ouvir Super Fly é uma experiência cinematográfica melhor que assistir o próprio filme. Além disso, é a prova de que existe pérolas da soul music fora da Motown e da Stax, já que o disco foi lançado pela Curtom.

ACHADOS DO DIA: Nelson Faria, Jimmy Slyde, Zumbi do Mato e Drew OfThe Drew

NELSON FARIA
O espetacular guitarrista Nelson Faria está com um ótimo canal do no YouTube chamado Um Café Lá Em Casa. A ideia é convidar músicos/amigos para uma conversa, um som e... um café. Entre tantos ótimos convidados estão o guitarrista Ricardo Silveira, os bateristas Pascoal Meirelles e Kiko Freitas, o baixista Yuri Popoff, as cantoras Joyce, Baby do Brasil e Alma Thomas, dentre outros. Tudo bem muito gravado, com momentos musicais preciosos e conversas serenas. Não deixem de acompanhar. É música da melhor qualidade.

JIMMY SLYDE
Uma dúvida: quem pratica sapateado pode ser considerado instrumentista? Vendo vídeos do Jimmy Slyde eu cheguei a conclusão que sim.

ZUMBI DO MATO
Essas doideras empapuçam? Sim! Não aguento um disco inteiro, mas vire e mexe curto perder alguns minutos ao som de Zumbi do Mato, banda lendária do underground carioca.

DREW OFTHE DREW
Não entendi muito bem a proposta. É algo na linha do Living Colour só que mais moderno? De qualquer forma eu gostei da música.

sábado, 23 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Frank Sinatra - In The Wee Small Hours (1955)

Durante muito tempo, o LP (Long Play) foi uma mídia inviável. Era caro para o consumidor e de difícil divulgação pelo artista/gravadora. Desta forma, os compactos eram o principal meio de se adquirir música gravada. Essa cultura começou a mudar via In The Wee Small Hours (1955) do Frank Sinatra, que foi não só o primeiro trabalho do lendário cantor neste formato - inicialmente em 10 polegadas, posteriormente em 12 polegadas -, mas também o primeiro a entregar/embalar/unir as músicas como uma obra única acabada.


As composições são amarradas numa mesma temática: conflito amoroso. Isso leva a muitos considerarem esse o primeiro disco conceitual da história. 

Ao romper sua relação com a estrela hollywoodiana, Ava Gardner, Sinatra mergulhou no isolamento da vida noturna e nas dores de uma paixão perdida. Isso fica evidente não só nas letras, mas também nos belíssimos e lentos arranjos orquestrados por Nelson Riddle. Easy listening? Pode até ser, mas com enorme classe e talento.

A carreira de Frank Sinatra também não passava por seu melhor momento. Ele acabara de ser chutado da Columbia, mas graças ao empresário Alan Livingston, foi acolhido pela Capitol, onde lançou esse trabalho seminal.

Logo na introdução de "In The Wee Small Hours of The Morning", temos um exemplo da delicadeza dos arranjos e da preciosidade melódica que acompanha todo o disco. Já seu canto empostado, de timbre único e dicção perfeita, traz vestígios da riqueza jazzística do período. Uma abertura no mínimo emotiva.

Entre faixas que merecem destaque estão as lindas "Deep In A Dream" (tremendo arranjo), "What Is This Thing Called Love?" (que melodia! Cole Porter, né) e "I'll Be Around" (uma bossa ainda sem bossa). Ouvir essas canções olhando para a capa do disco é uma experiência cinematográfica.

Se hoje essas músicas soam datadas e nostálgicas - no bom sentido -, no passado elas eram preferência de uma juventude que reconhecia na figura de Sinatra uma estrela pop do cinema e da música.

ACHADOS DO DIA: The Jelly Jam, Lenine, Gui Borato e Uriah Heep

THE JELLY LAM
Embora sejam instrumentistas talentosos, os membros do Dream Theater costumam fracassar sonoramente em seus projetos paralelos (muitas vezes dá errado no próprio Dream Theater). Uma exceção é esse grupo do John Myung com o Ty Tabor (King's X) e o Rod Morgesntein (Dixie Dregs e Winger). Power trio de hard rock progressivo bem legal.

LENINE
Lembrei da existência do Lenine e fui checar seu canal no YouTube. Ele tem bons momentos, vide esse abaixo. Fora que o Jr Tostoi é um guitarrista muito talentoso.

GUI BORATTO
Eu simpatizo com o Gui Boratto. Algumas músicas dele tem um bem-vindo clima de New Order. Chromophobia (2007) marcou época.

URIAH HEEP
Alguém poderia tirar uma dúvida: o King Diamond pira nesse som, né? Mesma proposta vocal, só que uma década antes.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Wilco - Yankee Hotel Foxtrot (2002)

O Wilco é hoje um patrimônio do rock alternativo americano. A banda nasceu após a dissolução do grupo de alt-country, Uncle Tupelo. Seu líder, Jeff Tweedy, reuniu todas suas influências - Woody Guthrie, The Byrds, Neil Young, Big Star, R.E.M., Daniel Johnston, Replacements e Sonic Youth - neste caldeirão power pop-country-alternativo.


Yankee Hotel Foxtrot (2002) é o terceiro disco do grupo. Após gravado, ele foi recusado pelo selo Reprise, da Warner, por ser considerado pouco acessível. Nonesuch, outro selo da Warner, se interessou pela obra e fechou contrato com a banda. Resultado: a Warner, no maior exemplo de amadorismo - no mal sentido - da indústria musical, pagou duas vezes pelo mesmo trabalho. E o mais incrível, neste meio tempo, a banda soltou o disco para streaming gratuito na internet - lembrem-se, em 2002! -, onde obteve sucesso de público e crítica. Essa pequena história ajuda a explicar a morte das grandes gravadoras.

Se a história dos bastidores já é ótima, musicalmente o álbum não deve em nada. Acompanhado dos excepcionais John Stirratt (baixo, único parceiro de Tweedy remanescente do Uncle Tupelo), Glenn Kotche (bateria), Leroy Bach (teclados) e do já falecido Jay Bennett (guitarra), Jeff Tweedy soltou a mão em composições primorosas. 

Em meio a bela melodia vocal de "I Am Trying To Break Your Heart", surge um groove desconcertante de bateria e notas de um piano que parece estar desafinado. Seu final cacofônico se aproxima de um glitch/drone/ambient. Tudo isso é feito sem abandonar o lirismo. Que abertura!

Muito mais protocolar é a maravilhosas "Kamera”, dona de violões pesados típicos do folk rock, batida seca, além de detalhes de arranjos que remetem ao Beach Boys. Essa associação se dá devido o uso de vibrafones, sinos e outros instrumentos inusitados.

Essa ponte entre a sonoridade crua da música folk e texturas pontualmente ruidosas eleva composições melódicas por natureza, vide a linda “Radio Cure”, interpretada de forma dolorosa pelo Tweedy.

A doce (e ruidosa) "War On War" é mais uma faixa de gosto fácil. Sua melodia de piano é memorável e os versos convidativos. 

A delirante "Ashes Of American Flags" tem das melhores melodias do grupo, cantada de forma gentil e ambientada por climas ricos em possibilidades timbristicas. 

Destaque ainda para a divertida "Heavy Metal Drummer" (tremendo refrão), a contagiante "I'm The Man Who Loves You" (de guitarras ruidosamente psicodélicas), a ousadia chamber pop de "Poor Places" e a épica/ambiciosa balada "Reservations" (que deságua numa espécie de drone/ambient).

Mas nada é mais marcante que "Jesus, Etc.", dona de leveza melódica que provoca paixão imediata. Parece feita especialmente para cantar e se deliciar junto.

De distribuição inovadora, letras confessionais, experimentalismo nos arranjos, timbres preciosos e riqueza/eficiência melódica explicita, sem deixar de ser acessível - ao contrário do que dizia a Reprise -, Yankee Hotel Foxtrot tornou-se não só o principal lançamento do grupo, mas um dos grandes discos do século XXI.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Melhores momentos musicais no David Letterman

Como todos já sabem, hoje vai ao ar o último talk show do David Letterman, o apresentador que revolucionou a televisão através de suas ótimas entrevistas, sempre informativas e bem humoradas.

Nem sempre acompanhei o programa, mas desde que o YouTube surgiu, acompanho as apresentações musicais que ocorrem no final de cada edição. Através dessas apresentações meu interesse por algumas bandas cresceram. Citarei aqui alguns dos meus momentos prediletos.

Enumerei sem ordem de preferencia ou cronológica. Apenas fui lembrando e postando.

Megadeth
Sempre acho divertido ver apresentações de bandas de heavy metal na TV. É tão distante da nossa programação brasileira.

WU LYF
Foi a primeira vez que ouvi falar desta curiosa banda. Performance estranha, David zoando o baterista e o grupo abandonando o palco deixando ele falando sozinho. No minimo divertido.

Mastodon
Não acho que o Mastodon se sai tão bem ao vivo quanto em disco. Muito disso devido as falhas vocais. Todavia, o humor e a entrega do grupo, além da qualidade das composições, é sempre invejável.

Foo Fighters
Foo Fighters é acima de tudo uma banda de acessível, com um líder cativante e um punhado de canções bacanas. Com esses atributos, é claro que a banda se sai bem na TV. Quando eles juntam forças com Rick Nielsen, as chances da coisa ficar ainda melhor é gigantesca.
Adendo: Eles tocarão na última edição programa.

TV On The Radio
E o que dizer do TV On The Radio sendo total punk rock no David Letterman. Boa banda.

The Mars Volta
Não é sempre que vemos um nível técnico impressionante como o do Mars Volta na TV. Que apresentação espetacular!

Future Islands
Já tinha escutado o disco do grupo e achado muito bom, mas quando vi a presença de palco do vocalista nessa apresentação eu pirei. Bizarro, impactante e divertido.

Death From Above 1979
Grande momento desse imponente duo se aproveitando da ótima banda da casa.

Radiohead
Radiohead tocando uma das minhas faixas prediletas do grupo.

Haim
Acho que as garotas do Haim formam um ótimo trio pop. Mas confesso que mais legal que ouvi-las em disco é ver suas apresentações. Fico bolado.

Bob Mould
Ele sabe soar intenso em poucos minutos.

Wilco
Minha música predileta do século XXI não poderia ficar de fora. Simples assim. [1]

The Flaming Lips
Uma das melhores banda dos últimos 30 anos não poderia ficar de fora. Simples assim. [2]

Donald Fagen
O brilhante compositor/arranjador Donald Fagen, metade do Steely Dan, também merece destaque. É o pop perfeito.

Sonic Youth
1992, no auge do rock alternativo americano, David Latterman não ignorou grupos como Dinosaur Jr. e o Sonic Youth. A vanguarda do barulho na TV.

Warren Zevon
O grande Warren Zevon, amigo pessoal do David Latterman, foi ao programa pouco depois de ser diagnosticado com câncer em estado terminal. Resultado? Entrevista/performance honesta, emocionante e estranhamente divertida.

Beastie Boys
Foda!

R.E.M.
Dizer o que? A história da música pop americana passa por aqui. Histórico.

Bob Dylan
E na última semana de programa, por que não chamar o Bob Dylan? Gente fina é outra coisa.

TEM QUE OUVIR: Richard and Linda Thompson - I Want To See The Bright Lights Tonight (1974)

Desde os tempos em que fazia parte do lendário grupo de folk inglês, Fairport Convention, Richard Thompson se estabeleceu como um dos mais talentosos compositores e guitarristas da sua geração. Todavia, seu primeiro disco solo foi um fracasso comercial. Assim sendo, ele somou forças com a sua esposa, Linda Thompson, para buscar novas inspirações. Desta parceria nasceu o belíssimo álbum I Want To See The Bright Lights Tonight (1974).


Mesmo com o orçamento apertado da gravadora Island, o refinamento sonoro do disco é impecável. Se por natureza as composições já trazem melodias marcantes, os arranjos detalhados e a interpretação profunda dos músicos contribuem para a qualidade final.

A guitarra pontual de Richard se contrapondo aos violões e bandolins na bela "When I Get The Border" é de maturidade musical gigantesca. A utilização de instrumentos como acordeon, concertinas e até mesmo o renascentista crumhorn, trazem um clima de música tradicional que tão bem se soma ao folk elétrico. Tremenda canção.

De introdução viajante (e oriental), "The Calvary Cross" é uma balada preciosa. Adoro a captação orgânica desta faixa.

Linda Thompson faz jus ao seu nome ao cantar imponentemente as belas "Withered And Died" e "Has He Got A Friend For Me", composições de ritmo arrastado que dão respiro à sua interpretação elegante.

Crônicas de perfil inglês cercam canções como "Down Where The Drunkard", "The Little Beggard Girl" e a épica "The Great Valerio". De formato quase pop - leia-se "americano" -, "I Want To See The Bright Lights Tonight" é a mais agitada do álbum.

Embora seja uma obra inglesa por excelência - tanto na estética quanto na sonoridade e temática -, o álbum foi também bem recebido nos EUA. Clássico do folk inglês.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Não tem como ficar triste com a morte do B.B. King

Hoje, aos 89 anos, morreu B.B. King. Ele foi sem dúvida um dos grandes nomes da música americana. Foi um compositor talentoso, cantor subestimado e guitarrista fundamental para o desenvolvimento do blues. Sua profundidade melódica e interpretações irradiantes eram de encher os olhos de lágrima (nas baladas tristes) e deixar estampado um sorriso espontâneo em nossas faces (fosse nos blues energéticos ou em suas conversas durante as apresentações, que felizmente tive o prazer de assistir uma única e inesquecível vez).


Em discos, chegou ao patamar de estrela pop com um blues legitimo, recheado bends e vibratos expressivos, cronicas divertidas/tristes e timbres preciosos extraídos de sua Gibson Lucille.

Não deixe de ouvir maravilhas como Live At The Reagal (1965), Completely Well (1970), Blues On The Bayou (1998) e tantas outras pérolas que foram trilha sonora não só da minha vida, mas também de Jimi Hendrix, Eric Clapton, Duane Allman, Santana, Mick Taylor, Mike Bloomfield, Johnny Winter, Mark Knopfler, Stevie Ray Vaughan, John Mayer, dentre tantos outros.

Embora com tantas maravilhas ditas sobre B.B. King, não tenho direito de ficar triste com sua morte. De um garoto pobre abandonado pelos pais, passando pelo jovem plantador de algodão e chegando ao estrelato na música, sua vida é daquelas que valeu a pena. Seu descanso é mais que merecido. Não dá para dizer que, na sua idade, sua morte surpreende. Resta agora captarmos seu legado e aprender alguma coisa.

Obrigado, B.B. King.

TEM QUE OUVIR: Ray Charles - Modern Sounds In Country And Western Music (1962)

Ray Charles sempre foi um cantor e pianista muito acima da média. Todavia, suas improváveis fusões de estilos quase se sobressaem a sua performance. Após anos servindo a Atlantic Records, distribuindo hits que transitavam entre o jazz, gospel, blues e r&b, ele eclodiu no sucesso de Moden Sounds In Country And Western Music (1962), que tornou pop a música country através de arranjos primorosos.


Um cego trabalhando num repertório country era indiferente. O que causava espanto era um negro fazendo isso. Felizmente, após grandes divergências, a ABC-Paramount concordou em lançar o disco. O impacto social, além de musical, foi estrondoso. 

Entre performances espetaculares de uma big band jazzistica - com direito a naipe de metais, cordas e grandiosos backing vocals -, Ray Charles coloca seu canto pontual e elegante na divertida "Just Little Lovin'" e na brilhante "Careless Love". 

Os arranjos pomposos, quase cinematográficos, de lindas canções como "I Love You So Much It Hurts" e "I Can't Stop Lovin You" - que o Van Halen anos depois brincaria dando razão as palavras de Ray - são de chorar. Enquanto "Half As Mush" é uma balada dançante, "You Don'T Know Me" se joga numa melodia comovente. "Born To Lose" é tristonha por natureza, mas mantém a elegância.

Impossível não imaginar Johnny Cash ou Elvis Presley cantando composições como "Worried Mind", embora Ray tenha se saído possivelmente melhor que ambos. Hank Williams certamente também não reclamaria das versões de "You Win Again" e "Hey, Good Lookin". Falando em regravações, a acelerada "Bye Bye, Love" (The Everly Brothers) foi um hit na época.

O sucesso do trabalho possibilitou um volume dois, que também teve grande êxito artístico e comercial. Mas por sua inventividade, é esse o clássico indiscutível da música pop americana. 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Dinosaur Jr. - Bug (1988)

Dinosaur Jr. é uma banda atemporal. E não digo isso como mero elogio, mas como forma de descrever sua sonoridade. Com influências que vão de Neil Young à Black Sabbath, mas com pitadas acentuadas de country, rock psicodélico e punk rock, a banda tornou-se um dos pilares do rock alternativo americano, chegando a prever a sonoridade grunge e indie contemporânea.


Bug (1988) é o aperfeiçoamento sonoro da proposta que a banda já havia apontado nos dois discos anteriores, lançados também pela SST.

É hipnotizante o som monolítico alcançado por J Mascis através de amplificadores vintages, guitarra fender jazzmaster e pedais de fuzz. Já o baixista Lou Barlow tenta equilibrar as camadas de ruído com frases pontualmente melódicas. E assim segue o disco todo, intercalando entre sujeira e doçura. Os maiores exemplos disso são as maravilhosas "No Bones", "Let It Ride" e a lisérgica/climática "The Post".

Mais próximo de um resmungo que do canto, J Mascis se projeta ao microfone com sua voz frágil e melódica. "Yeah We Know" e "Pond Song" evidenciam tais características.

São incontáveis as bandas que ainda hoje tentam emular a sonoridade de "Freak Scene" - que chegou a fazer algum sucesso nas rádios alternativas inglesas - e "They Always Come" - excelente bateria do subestimado Murph -, ambas tão acessíveis quanto viscerais em suas performances. O disco ainda tem espaço para a intensa "Budge" e a anárquica "Don't".

Logo após o lançamento de Bug, Mascis e Lou Barlow se desentenderam e o baixista perdeu o posto, que só recuperou 16 anos depois. Nesse meio tempo ele montou o Sebadoh, outro gigante do rock alternativo americano. Já Dinosaur Jr. crescia em popularidade e influenciava uma banda que começava a chamar a atenção: o Nirvana.

terça-feira, 5 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Jethro Tull - Aqualung (1971)

Quem se deixa levar apenas pelo espetacular riff de "Aqualung" do álbum homônimo do Jethro Tull, pode se enganar com relação a proposta do disco.


Embora o hit que abra o álbum seja uma pérola do hard rock setentista, com destaque para a performance do subestimado guitarrista Martin Barre - tremendo riff e solo -, a sonoridade do trabalho como um todo está muito mais próxima de uma fusão do rock progressivo com a música folk.

Ian Anderson além de grande cronista - tal como um menestrel -, esbanja dramaticidade vocal e certo virtuosismo com sua tão característica flauta na bela balada celta "Mother Goose" e na psicodelia acústica de "Up To Me". Vale dizer que sua maneira de tocar o instrumento de sopro fez escola. Ele tem uma "sujeira", projeção de ar e canto atrelado a flauta que proporciona sonoridades únicas. 

Se por um lado as curtinhas "Cheap Day Return", "Wond'ring Aloud" e "Slipstream" são donas de melodias lindíssimas e arranjos preciosos, o peso quase heavy metal dá as caras nas igualmente ótimas "Cross-Eyed Mary" - regravada posteriormente pelo Iron Maiden - e na tensa/épica "My God", com direito a mais um tremendo riff de guitarra, além de delirante solo de flauta. A performance ao piano de John Evan em "Locomotive Breath" também merece destaque.

Temas como a distância entre Deus e as religiões e letras abordando os desabrigados ingleses - representados na clássica capa do disco - aproximam o trabalho de uma obra conceitual, fato que Ian Anderson sempre negou. De verdade está somente a beleza das composições aqui encontradas. Clássico do rock progressivo, de sucesso comercial na época impressionante para o gênero.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

TEM QUE OUVIR: Judas Priest - British Steel (1980)

O Judas Priest tem muitas similaridades com o Black Sabbath. Além de serem bandas oriundas Birmingham, ambas foram precursoras do heavy metal. Acontece que, diferente do grupo liderado pelo Ozzy, o Judas nunca "negou" o metal. Eles abraçaram o rótulo e criaram muito do arquétipo do estilo. Coloque neste pacote a presença de palco, os arranjos para duas guitarras, a voz visceral/aguda e até mesmo as roupas de couro com rebites.


Embora com ótimos discos lançados durante a década de 1970, a popularidade da banda alavancou com o British Steel (1980). O trabalho se apropria da sonoridade pesada e melódica da NWOBHM, que despontava através de grupos como Iron Maiden, Def Leppard e Saxon.

"Breaking The Law" é um dos grandes hinos do heavy metal. A música tem um riff emblemático e refrão incisivo que, dependendo da interpretação do ouvinte, pode ser considerada um manifesto contra a homofobia no rock. Independente disso, a faixa é sem dúvida poderosa.

Rob Halford é um gigante. Sua voz de alcance impressionante é explorada na máxima potência somente quando necessária. A interpretação em faixas como "United" - belo refrão! - e "The Rage" beira a perfeição técnica.

Já os guitarristas Glenn Tipton e K.K. Downing se completam nos ótimos riffs de "Rapid Fire", "Grinder" e na espantosamente dançante "Living After Midnight".

É fácil imaginar headbangers na década de 1980 balançado a cabeça ao som de "Metal Gods", que na sua gravação contém o som de saco de talheres emulando o que seriam os passos dos "Deuses do Metal". A eterna ingenuidade do heavy metal num de seus momentos divertidos e criativos.

Com composições diretas e produção condizente com a época (e atenta a polidez do mercado americano), esse disco tornou-se um clássico do heavy metal difícil de ser batido. Não à toa sua capa é facilmente encontrada estampada em camisetas nos mais diferentes festivais de rock.