terça-feira, 28 de abril de 2015

TEM QUE OUVIR: The Flying Burrito Brothers - The Gilded Palace Of Sin (1969)

O rock nasceu como um cruzamentos de gêneros, mais precisamente do blues com a música country. Todavia, embora o blues seja desde sempre admirado tanto pelo público quanto pelos artistas - principalmente na Inglaterra -, a country music ficou estigmatizada como gênero de caipira americano.


Foram dois remanescentes do The Byrds, grupo que já bebia na música folk, que colocaram o country novamente em evidência no rock. Gram Parsons e Chris Hillman se juntaram ao baixista Chris Ethridge e o requisitado músico de pedal steel, Sneaky Pate Kleinow, para formar o importante The Flying Burrito Brothers.

The Gilded Palace (1969), disco de estreia do grupo, é clássico desde sua capa, contendo os quatro integrantes com uma vestimenta chamativa. Destaque para as folhas de maconha estampadas na roupa de Gram Parsons.

Musicalmente, é não menos que delicioso ouvir as aberturas vocais da dupla Parsons/Hillman. Os arranjos calcados no pedal steel (algumas vezes distorcido) são não menos que transcendentais. Com tais características, as ótimas baladas "Sin City" e "Do Right Woman" parecem feitas para nos transportar a Nashville. Já "Christine's Tune" e "Hot Burrito #2" são muito mais rockeiras, soando até mesmo psicodélicas.

Posteriormente, diversos artistas abraçaram o country rock - do Creedence ao Wilco, passando pelo Eagles e Meat Puppets -, mas The Gilded Palace Of Sin ficará para sempre como o disco embrionário do estilo.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

TEM QUE OUVIR: Mudhoney - Superfuzz Bigmuff (1988)

É comum encontrarmos quem pense que Nirvana e Pearl Jam foram os precursores da cena de Seattle, que explodiu para o mundo na primeira metade da década de 1990. Embora a contribuição comercial de ambos os grupos seja indiscutível, a sonoridade daquilo que veio a ser conhecido como grunge estava presente desde o bombástico Superfuzz Bigmuff (1988), disco de estreia do Mudhoney.


Emulando o som do Stooges antes mesmo do grupo de Detroit tornar-se cult, o Mudhoney era a versão cheia de anfetamina da tendência do rock alternativo americano do final da década de 1980.

O EP contendo 6 músicas, pouco mais de 20 minutos e batizado com o nome de dois efeitos de guitarra barulhentos - Univox Super-Fuzz e Electro-Hamonix Big Muff - foi lançado pelo importante selo Sub Pop e produzido pelo Jack Endino. Entre tantos futuros protagonista na narrativa do rock daquele período, o destaque fica mesmo com a banda.

A dupla Mark Arm (voz) e Steve Turner (guitarra) - ambos presentes na espetacular capa do disco - é uma das mais subestimadas do rock. Ainda que tenham deficiências técnicas, suas interpretações viscerais são nocauteantes. A garageira "Chain That Door" é um dos melhores exemplos dessa eficácia punk.

Da introdução drone - criando uma atmosfera pesada, como num mantra infernal -, passando pela bateria tribal e as guitarras lisérgicas cacofônicas, "Mudride" vira um monstro difícil de ser segurado. Já "Need" e "No One Has" - que timbre de baixo! - são tudo o que o Nirvana queria ser (e de certa forma foi). Não a toa o disco era um dos prediletos do Kurt Cobain. 

Encerrando temos a ótima balada "If I Think" e o sample de Peter Fonda em The Wild Angels pré-Primal Scream na introdução da acachapante "In 'N' Out Of Grace", com direito a solo de bateria do Dan Peters e apoteóticas guitarras ensandecidas.

Cru, certeiro e extremamente influente, Superfuzz Bigmuff é o big bang de uma cena que morreu, embora os criadores continuem lançando trabalhos tão bons quanto esse. O rock sem glamour é tão mais legal.

sábado, 11 de abril de 2015

TEM QUE OUVIR: Billie Holiday - Lady Sings The Blues (1956)

O mundo é curiosamente trágico. Se por um lado Billie Holiday recebeu o dom divino de cantar, por outro teve sua vida amaldiçoada. Não me refiro a poderes sobrenaturais, mas a sua real trajetória. Mulher, negra e pobre, foi estuprada quando criança, se prostituiu ainda jovem e, em meio a relacionamentos conturbados, foi viciada em drogas por toda sua vida. Definhou-se até a morte, aos apenas 44 anos, embora no fim parecesse uma senhora com o dobro da idade. 

No ano do seu centenário, passar a limpo um de seus principais discos, o impecável Lady Sings The Blues (1956), é fundamental para entender como, apesar de todas as adversidades, ela tornou-se uma das maiores vozes de todos os tempos, não só do jazz, mas da música como um todo.


Por mais humanamente trágico e egoísta que possa ser, a verdade é que suas quedas pessoais contribuíram para sua obra. De temas tristes que rodeiam as composições, passando por momentos em que sua voz já frágil provoca emoções sobrenaturais, é impossível desvincular a artista de sua arte. É tudo uma coisa só.

Sendo o derradeiro álbum lançado pela Clef Records, o disco traz sessões gravadas em períodos diferentes. Em comum temos a qualidade das composições e da interpretação, não só de Lady Day, mas também dos músicos que acompanham, dentre eles os lendários Willie Smith (sax), Chico Hamilton (bateria) e Kenny Burrell (guitarra).

Os arranjos leves e caprichados são expostos a serviço do canto pontual e celestial de Billie Holiday. Impossível não se emocionar com as lindas "Lady Sings The Blues", "Trav'lin Light", "I Must Have That A Man"... resumindo, todas!

A clássica "Strange Fruit" - a mesma escrita pelo professor judeu Abel Meeropol e interpretada também por Nina Simone -, ganha ainda mais força com Lady Day. Em sua voz encontra-se a de todos os negros linchados e expostos nas árvores no estado de Indiana. Daí as "frutas estranhas". Arrebatador.

Em tempos onde o termo "diva" foi banalizado e aplicado a qualquer estrela pop, ouvir a obra de Billie Holiday é um santo remédio.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

TEM QUE OUVIR: Kanye West - The College Dropout (2004)

Responda rápido: existe algum artista que lançou seu disco de estreia no século XXI e que seja tão ou mais relevante (artisticamente e comercialmente) que o Kanye West? Eu acho que não. 


Assim como o efeito tostines, Kanye West é relevante porque a ascensão comercial do hip hop é enorme ou a ascensão é enorme devido o talento de Kanye West? Digo isso porque, antes mesmo dele lançar The College Dropout (2004), seu aclamado disco de estreia, ele já vinha há anos dando a cara em trabalhos do Nas, John Legend, Alicia Keys, Janet Jackson, Jay-Z, Common, Mos Def, dentre outros, sendo que os três últimos retribuíram a ajuda participando de seu debut.

Lançado (após muita resistência) pela mesma gravadora em que ele produzia suas parcerias, a Roc-A-Fella Records, o disco recebeu boas criticas e vendeu horrores. Isso se deu não só devido sua fama nos estúdios, mas através do sucesso de singles como a maravilha pop "All Falls Down" (nunca uma faixa guiada pelo violão soou tão bem no hip hop, também pudera, com um refrão desses!), a espetacular/criativa "The New Workou Plan" (arranjo caprichado) e a ganchuda balada "Slow Jamz" (com direito a participação do Jamie Foxx).

Entre outros destaques estão "We Don't Care" (de refrão pegajoso e baixo poderoso), "Never Let Me Down" (onde Jay-Z rouba a cena), a intoxicante (e num dançante 3/4) "Spaceship", a pesada "Jesus Walks", a pulsante "Get Em High" (que flow!) e a após quase acidente fatal "Through The Wire".

Isso sem contar as divertidas esquetes entre as faixas, vide a exuberante "Graduation Day", que soa como se cantores gospel usassem auto-tune; e a tentativa de soar como um Stevie Wonder jazzístico em "I'll Fly Away".

De produção arrojada e apelo pop, The College Dropout é um trabalho fundamental para entender o alcance do rap na música americana atual. No quesito ousadia, Kanye se sairia ainda melhor no futuro, mas é aqui que ele soa mais espontâneo e melhor resolvido sonoramente.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

TEM QUE OUVIR: Patti Smith - Horses (1975)

Havia motivo, ainda que talvez velado, para a imagem séria, "masculinizada" e nada sexy da Patti Smith na capa de seu disco de estréia, o clássico Horses (1975). Ela precisou adotar essa postura e apostar em suas composições para que todos percebessem que estavam lidando com uma das maiores letristas/interpretes da história do rock, independente do gênero biológico.


Influenciada tanto pela postura vanguardista do Velvet Underground - o disco foi produzido por John Cale - quanto por poetas da geração beat, Patti Smith vinha há anos circulando pela cultura underground novaiorquina, indo do Max's Kansas City ao CBGB. Todavia, mesmo tendo colaborado em composições do Blue Öyster Cult, ela parecia mais familiarizada com o poder do texto do que com a música em si. Foi do encontro com o compositor/guitarrista Lenny Kaye - que anos antes havia compilado a clássica coletânea de garage rock, Nuggets -, que a veia musical de Patti se consolidou.

Um disco que começa com a frase "Jesus morreu pelos pecados de alguém, não pelos meus" não pode ter suas letras ignoradas. Em "Gloria" seu trabalho se funde com o de Van Morrison numa faixa crescente e celebrativa.

Enquanto a solar/caribenha (apesar de sua letra mórbida) "Redondo Beach" prevê a cena da Two Tone, "Kimberly" tem traços do pós-punk que a Siouxsie And The Banshees viria a fazer um dia. Tom Verlaine (Television) colabora na maravilhosamente dramática - e obviamente cheia de impecáveis guitarras - "Break It Up". Tudo isso demonstra como era a forte a presença de Patti Smith na cena punk, ainda que seu som fosse muito mais introspectivo. É a fúria interna que comanda a composição.

A ambiguidade sonora de Patti é presente em sua rouquidão sensível, na interpretação segura, nas melodias estranhamente doces (vide a linda/dramática "Elegie") e na atitude selvagem de canções como "Free Money" e, principalmente, das épicas "Birdland" e "Land", sendo ambas verdadeiros hinos, recitados/berrados com paixão comovente, com a banda reagindo a cada palavra como num transe rockeiro.

De presença inquietante e estilo próprio, Patti Smith influenciou do Morrissey ao Sonic Youth, passando por Michael Stipe, Chrissie Hynde, Nick Cave e Courtney Love, sendo ainda hoje uma das grandes personagens da história do rock.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Divagações atrasadas de quem cada vez se importa menos com o Lollapalooza

O título deste post poderia ser também: Relatos de quem já foi duas vezes no Lollapalooza e escolheu ver tudo pela TV.

Se importar cada vez menos com o Lollapalooza não é desdém. Só acho que a indústria do entretenimento infelizmente é um jogo de tolos. Joga quem é/quer.

O fato de eu não gostar do evento não quer dizer grande coisa quando mais de 60 mil pessoas lotam o Autódromo de Interlagos, conseguindo se divertir mesmo pagando caro por música de qualidade duvidosa, se espremendo frente a palcos com nomes de marcas de cerveja, junto a outros jovens que curtem indie rock, mas sequer ouviram falar do Fugazi. No fim, nada disso importa, é apenas recalque meu.

Mas convenhamos, foram muitos os absurdos em termos de ruindade em cima do palco: Banda do Mar, Bastille, Foster The People, Interpol (que gosto em disco, mas é fraquinho ao vivo, o que me faz lembrar: alguma banda de indie rock 00's sabe fazer um show bacana?), The Kooks, Young The Giant, Three Days Grace, Calvin Harris (a volta do poperô)... Quem é capaz de eleger o pior?

Jack White e Robert Plant (que vi somente trechos pelo YouTube) se saíram muito bem (alguma novidade?). St. Vincent foi além da expectativa. Skrillex é som para moleque demente (gosto disso) e só dá para avaliar vendo presencialmente (algum show de música eletrônica é legal de assistir pela TV?). Fitz And The Tantrums foi bacaninha. Não vi como se saíram as boas bandas brasileiras Far From Alaska e O Terno. A Pitty deu uma boa encorpada sonora. Já o Smashing Pumpkins fez meu eu dos anos 90 saltar de alegria.

Todavia, a verdade é que nada foi memorável. No fim tudo não passou de um fim de semana divertido para alguns, musicalmente desinteressantes para outros. E essa resenha, apenas uma divagação escrita a uma mão por quem não tem mais o que fazer.