sábado, 30 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: MC5 - Kick Out The Jams (1969)

O MC5 (Motor City Five) já tocava o terror em Detroit desde 1964. Todavia, foi somente cinco anos depois que a banda conseguiu - por indicação do Danny Fields - que a gravadora Elektra bancasse o disco de estreia do grupo, inusitadamente um álbum ao vivo. O resultado é Kick Out The Jams (1969), uma das mais emblemáticas performances da história do rock.


Partindo do princípio de que eles eram uma gangue de motociclistas revolucionários guiados pelo figuraça John Sinclair, é interessante notar que a banda não conseguiu nenhum avanço social - se é que eles realmente almejavam algo do tipo -, mas mudaram para sempre a história da música. As letras desbocadas com palavras de ordem preenchem todo o trabalho.

Não se ouve no disco overdubs, mas sim desafinações, atravessadas no tempo e o caos espontâneo de uma apresentação insana de rock. Palavrões berrados a plenos pulmões são escutados aos montes, vide o clássico grito de "Kick Out The Jams, Motherfuckers!" soltado por Rob Tyner na excepcional faixa que batiza o álbum. Tremendo riff, performance e refrão.

A barulhenta "Come Together" fez com que muito reconhecessem a banda com um dos pilares do punk rock (eis o tal proto-punk). Nocauteante. 

A dupla de guitarristas formada por Wayne Kramer e Fred "Sonic" Smith é intensa nos riffs, nas bases estridentes, nos solos anfetaminados e nos feedbacks voluntários, vide o que acontece em "Rocket Reducer" e na clássica "Ramblin' Rose", que aqui ganha um versão ácida interpretada pelo Kramer. 

Por sua vez, a bateria maluca de Dennis Thompson é acachapante em "Bordeline". Uma cacetada!

Esse petardo ruidoso do final da década de 1960 foi um fracasso comercial. No entanto, influenciou dos Ramones ao Nirvana, passando por Motörhead, The Clash, Sonic Youth, Guns N' Roses e Rage Against The Machine. Além disso, deixou explicito para gerações futuras o que é uma genuína apresentação de rock n' roll.

TEM QUE OUVIR: Dream Theater - Images And Words (1992)

Ano: 1992. Local: Barklee College Of Music. Os alunos John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo) e seus amigos Mike Portnoy (bateria) e Kevin Moore (teclados) discutem o futuro da banda.


Petrucci: "Galera, nosso primeiro disco não vendeu nada, precisamos explorar algo diferente ou a banda morrerá na praia. Ao menos aulas no GIT eu consigo dar, já vocês...".
Portnoy: "Que tal tentarmos algo ainda mais pesado, técnico e pomposo?".
Moore: "Isso, podemos até chamar o James Labrie para cantar. Ele é chato, mas alcança aqueles agudos tão característicos do Queensryche".
Petrucci: "Vocês tão malucos! As bandas de Seattle tão fazendo só barulho, berrando qualquer merda e vocês querendo fazer metal progressivo? Se liguem, até o Metallica simplificou o som!".
Portnoy: "Mas você está disposto a quebrar sua Ibanez, parar com esses arpejos intermináveis e fazer cara de abandonado pelo pai?".
Um breve silêncio reflexivo na sala.
Petrucci: "Esquece o que eu disse. Vamos tentar mais uma vez, quem sabe chamamos atenção de alguém no Japão. Lá até as vídeo-aulas do Vinnie Moore vendem bem".
Moore: "Ótimo, já até escrevi uma música, chama "Pull Me Under". É longa, tem peso, mas também um refrão pegajoso".
Petrucci: "Já eu fiz "Another Day", uma balada pop com solo de sax à la Kenny G. Se dermos sorte ela vai ser aceita nas rádios".
Portnoy: "Mas com essas porcarias que vocês estão escrevendo como é que eu vou poder usar o meu novo kit de bateria com 5 bumbos, 13 tons e 23 pratos?".
Petrucci: "Calma, eu também bolei uns riffs em fórmulas de compasso impossíveis. Batizei de "Take The Time". Os professores da Barklee adoraram".
Moore: "Também trabalhei em algo complexo, chama "Surrounded". Começa como uma balada chorosa, mas logo entra um "groove sem swing", seguido de passagens melódicas e solos velozes... é um épico, caras".
Portnoy: "Mas é só isso? Quero algo ainda mais complexo. Algo que faça garotos espinhentos ficarem por décadas em seus quartos tentando tocar. Temos que ser o novo Rush!".
Moore: "Poderíamos tentar alguma babozeira conceitual e batizar de "Metropolis Pt. 1: The Miracle And The Sleeper". Nem precisa fazer muito sentido, só tem que conter solos impossíveis e passar de 9 minutos".
Petrucci: "Se eu tiver meus 164 compassos para solar eu aceito".
Portnoy: "É disso que eu tô falando: solos!".
Petrucci: "Inclusive, peguei songbooks do Yes, Iron Maiden e Steve Vai e me apropriei das ideias. Ali tem tanto material que consegui fazer duas músicas. Batizei uma de "Under A Glass Moon", mas a outra ainda não tive ideia".
John Myung, num raro momento de diálogo levanta a cabeça e solta: "Que tal "Learning To Lieve?"".
Petrucci: "Perfeito. Só tem um problema, vocês acham mesmo que vamos obter algum sucesso nadando contra as tendências comercias ditas "alternativas"? Não é melhor botar uma camisa de flanela logo?".
John Myung volta a se calar, assim como todos os outros membros.

*Texto inspirado na clássica critica do André Barcinski para o Titanomaquia dos Titãs, publicado originalmente na Bizz Nº 97.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Passando a limpo o Shazam - Parte IV

Chegou novamente a hora de limpar o Shazam e analisar o que "coletei" até o momento. Lembrando que esse é o quarto post com esse tipo de conteúdo. Mais uma vez não postarei o link de cada música para não sobrecarregar o post. Também não faço ideia de onde cada música foi "retirada", mas isso também não importa agora.

01: Sleepytime Gorilla Museum - Helpless Corpses Enactment
Metal na linha do Mudvayne só que ainda mais doidão e experimental.

02: Carnival In Coal - Party At Your House
Desgraceira típica do Mike Patton. Não sei se ele tá envolvido, mas deve estar. Meio death, meio cinematográfico.

03: Insane Clown Posse - Bitch, I Lied
Rap do mal com beat sensacional.

04: Joe Cocker - Summer In The City
Que belo solo de guitarra, hein! E a voz do Joe Cocker é sempre incrível.

05: Young Widows - Kerosene Girl
Essa música poderia fácil estar num disco do Queens Of The Stone Age. Isso foi um elogio, talvez injusto, mas foi.

06: Spitting - Rocket From The Crypt
Punk rock com arranjo de metais a serviço da boa música.

07: Meat Beat Manifesto - Original Control (Version 2)
Bigbeat clássico típico do fim do século XX. Espetacular.

08: Action Swingers - Fire
Garage/punk imundo e fuleiro com produção com o pé no fim do mundo.

09: The Posies - Coming Right Along
Shoegaze, lo-fi. dream pop... o que seria isso? Não sei, só sei que a música é bonitona.

10: Purling Hiss - Water On Mars
Psicodelia shoegaze maravilhosa. Como eles conseguem esses timbres de guitarra?

11: Three Dog Night - Mama Told Me (Not To Come)
Música setentista tarantinesca, saca?

12: James Chance - Confort Yourself
Preciso ouvir mais o James Chance. Incrível como a no wave e a vanguarda paulista tem proximidades sonoras.

13: The Afghan Whigs - Debonair
Tocou a pouco tempo atrás no Brasil e eu não fui. Perdi. É rock alternativo noventista na melhor forma.

14: Art Brut - Lost Weekend
Porque o indie atual pode ser legal. E o clipe é muito bom.

15: Avicii - Wake Me Up
Toda vez que entro no carro da minha irmã e ela liga o rádio toca essa música. Quis saber de quem era, mas definitivamente não gosto. Juro!

16: Braid - I'm Afraid Of Everything
Um pequena pérola emo. Boa faixa.

17: Backsteet feat Dr. Dre - No Diggity
Dr. Dre, mas é claro! Já sabe o que esperar. Que groove!

18: Mazzy Star - Blue Flower
Mas é claro! Voz frágil num dream pop com vestígios de Velvet Underground. Eu gosto muito.

19: Infant Sorrow - Inside Of You
Puts, essa música tá num filme de comédia abacaxi que não lembro o nome. Quem canta é um cabeludo americano que namorava a Katy Perry, mas que não me darei o trabalho de pesquisar o nome agora. Acho graça.

20: The Louvin Brothers - Satan Is Real
Isso é embaçado, hein! Folk 60's do mal. E a capa do disco é genial.

21: A.A. Bondy - There's A Reason
Poderia estar num disco do Wilco. Tá bom pra você?

22: Stevie B - Dreamin' Of Love
Tudo que o Latino queria ser e de certa forma foi. Só que aqui é americano, absorvido diretamente do miami bass.

23: Younes B & MHD - The Track (Milton Channels)
Techno redondíssimo. É dançante e perturbador.

24: Bread - Everything I Own
Pop rock maravilhoso. Ultra melodioso. Parece uma balada britpop 90's (principalmente o refrão, talvez Verve), mas é da década de 70. Ao que consta a banda fez muito sucesso, mas não conhecia.

25: The Wave - Bored
Gravação lo-fi para uma canção simpática. O vídeo que tem no YouTube é tão bizarro que custo a acreditar que é oficial.

26: Home Zone - Digitalism
Som de moleque que vai pra balada cheirar cocaína e encher o rabo de vodka. O que é, é.

27: Jan Pleasa - What Has Made You Change So Much
Uma sujeira extra faria da música um shoegaze perfeito.

28: Blue Swede - Hooked On A Feeling
Uma das pérolas ressuscitadas pelo Guardiões das Galáxias.

29: The Raspberries - Go All The Way
Uma das pérolas ressuscitadas pelo Guardiões das Galáxias. [2]

30: Norman Greenbaum - Spirit In The Sky
Uma das pérolas ressuscitadas pelo Guardiões das Galáxias. [3]

31: The Kills - Cheap And Cheerful
Pop divertido/dançante de produção chapada.

32: Kasabian - Days Are Forgotten
Preciso ouvir mais Kasabian. Ou não?

33: Ed Sheeran - Sing
Achei que era o Justin Timberlake. Não é nada demais, mas para o pop funciona.

34: Reef - Set The Record Straight
Rock da segunda metade da década de 1990, sabe? Tem uma vibe Primal Scream.

35: Test Dept - New World Order
O começo do industrial. Som ultra pancada. Música de doidão. Simples assim.

36: Viejas Locas - Me Gustas Mucho
O rock argentino sempre que bebe na fonte blues acaba acertando.

37: Loomer - Dark Star
Não parece, mas a banda é brasileira. A sujeira shoegaze está lá. Preciso pesquisar o grupo. Ótima música.

38: MUTation - Relentless Confliction
Junte músicos do Napalm Death, Cardilacs, Sisters Of Mercy, The Fall, The Wildhearts e lance pela gravadora do Mike Patton. O resultado é esse.

39: Prurient - Sorry Robin
Noise experimental do mal ultra cabuloso. Curti demais.

40: Crocodiles - Cockroach
Lo-fi psicodélico atual. Sonzão.

41: Fanny - Special Care
Sempre ouvi dizer que essa banda feminina quebrava tudo já na década de 1960. Essa música confirma isso. Preciso ouvir mais.

42: Spiderbait - Live In A Box
A música não está entre minhas prediletas, mas esse timbre de guitarra é ótimo. Direto e nervoso.

43: Buffalo Killers - Let It Ride
Década de 1970? Que nada, isso é atual. Guitarra lisérgica e vocal fantástico. Rock n' roll dos bons.

44: The House Of Love - I Don't Know Why I Love You
O britpop 90's era bom e eu não sabia (soube faz pouco mais de 1 ano). Ótima música desse período.

45: Eels - Novacaine For The Soul
Música estranhamente bonita. Preciso explorar melhor essa cultuada banda.

46: Capsula - Dreaming In Black And Blue
O rock argentino atual no mais alto padrão do mundo.

47: Perry Farrell's Satellite Party - Wish Upon A Dog Star
O vocal de vocês sabem quem com direito a Peter Hook no baixo. Sem mais.

48: Manic - Chemicals For Criminals
Pesado, energético e melódico. Cara de 1997, mas 2007.

49: The Bellrays - Sister Disaster
Instrumental sujão (total punk) e vocal de soul. Tipico rock n' roll levanta defunto.

50: Howlin Rain - Nomads
Mais uma prova de que tem bandas boas de rock n' roll aos montes. Não dá para acompanhar tudo.

51: Tad - Jinx
Maravilha que só veio ao nosso conhecimento graças o Nirvana. Ou seria graças ao livro Ruído do Barcinski? Pense ai.

52: Patrick Doyle - Donnie And Lefty
Tá na trilha do Donnie Brasco. Linda melodia e arranjo. 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Van Halen - 1984 (1984)

Em 1984, tanto o disco Thriller quanto a música "Beat It", ambas do Michael Jackson, estavam em primeiro lugar da Billboard. A faixa do Rei do Pop continha um brilhante solo de guitarra executado por Eddie Van Halen, que ajudou a popularizar uma nova linguagem virtuosa ao instrumento. Mas não foi só via Michael Jackson que EVH conseguiu isso. Sua banda, o Van Halen, ficará com a medalha de prata na época com o disco 1984 e a música "Jump".


Após anos de punk rock, disco music e new wave, o hard rock voltara a ganhar destaque. Para isso a banda rendeu-se aos timbres de sintetizadores e a uma produção mais pop (vide "I'll Wait"), embora não menos interessante. Todavia, os músicos não abriram mão da destreza em seus instrumentos, principalmente Eddie Van Halen, que voou através de frases rápidas, recheadas de harmônicos, alavancadas e tappings na guitarra. O super hit "Jump" comprova isso.

"Hot For Teacher" também foi um grande sucesso, passando freneticamente na programação da MTV. A introdução recheada de bumbos duplos do subestimado Alex Van Halen, além dos tappings alucinantes do Eddie, desencadeia numa divertida e sacana canção em que o vocalista David Lee Roth encarna o personagem canastrão/sedutor/californiano.

Ótimas faixas como "Panama" (um hit de riff e refrão contagiante), "Girl Gone Bad" (com pitadas nada moderadas de Rush) e "House Of Pain" unem arranjos acessíveis ao peso do heavy metal, tornando a obra seminal para que o hard rock de bandas como Mötley Crüe ganhassem destaque na mesma época.

Esse foi o último disco do grupo a contar com a presença do David Lee Roth (até o trabalho de volta, lançado em 2012). Foi com ele que o rock mainstream voltou a ser jovem, descompromissado, sexual e divertido.

ALGO ENTRE: My Morning Jacket e Fine Young Cannibals

MY MORNING JACKET
Tá confirmado, preciso conhecer mais essa banda. Essa música já foi usada em alguma trilha sonora? Parece que eu conheço de algum lugar.

FINE YOUNG CANNIBAL
Tudo que o indie "solar" atual gostaria de ser, mas passa longe (mera provocação).
 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Crosby, Stills & Nash - Crosby, Stills & Nash (1969)

Em 1969, na ordem que estão na capa, Graham Nash (The Hollies), Stephen Stills (Buffalo Springfield) e David Crosby (The Byrds), causaram burburinho ao se juntarem para um disco. Nascia um dos primeiro supergrupos da história.


Trazendo na bagagem o prestigio conquistado pelos trabalhos anteriores, não foi tão difícil para o trio galgar espaço. Logo eles estavam se apresentando no Festival de Woodstock, flutuando no imaginário hippie e fazendo da Califórnia o novo cenário musical para grandes compositores.

Composta para Judy Collins, "Suite: Judy Blues Eyes" abre o disco. A fusão da música folk com as guitarras elétricas do blues rock serviram de experiência pra eletrificação da música country americana. O mesmo ocorre na lisérgica "Pre-Road Down". Já a beleza acústica tradicional se mantém em canções como "You Don't Have To Cry".

Composições como "Long Time Gone", sobre o assassinato do Robert F. Kennedy, periga soar datada, mas isso não necessariamente é ruim quando nos transporta para paisagens rurais e clima lúdico, além de contextualizar os problemas políticos da época.

As aberturas vocais incríveis a serviço de letras poéticas que ocorrem nas lindas "Guinnevere", "Lady Of The Island" e "Heplessly Hoping" é a grande característica musical do trio. O arranjo vocal pode ser encarado como um contraponto orquestral, tamanha a riqueza melódica. Além disso, a guitarra exuberante e por vezes subestimadas de Stephen Stills chama atenção na psicodélica "Wooden Ships".

No ano seguinte, incentivados por executivos de gravadora, a banda buscou a colaboração de outro genial artista: Neil Young. Mas isso é assunto pra um próximo "Tem Que Ouvir". O interessante é observar que a união de Crosby, Stills & Nash continua no imaginário dos amantes da década de 1960, mesmo com as carreiras solo que cada integrante teve posteriormente. Um patrimônio da cultura norte-americana.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Raul Seixas - Gita (1974)

Semanas atrás, o jornalista André Barcinski escreveu algo que concordo plenamente, mas que não havia me ocorrido de forma tão clara: Gita é o maior disco do pop brasileiro!


Tenho uma ligação bastante pessoal com a obra do Raul Seixas. Ouço desde criança, no começo por intermédio do meu pai, pouco depois por vontade própria. Digo sem medo que foi o artista que mais ouvi na vida. Ele contribuiu fortemente na formação do meu caráter, mesmo tendo morrido um ano antes do meu nascimento. 

Gita (1974) é a obra do meio entre os três grandes discos do artista baiano. É também o trabalho que define sua parceria com o letrista Paulo Coelho, na época um ainda malucaço-hippie-ocultista. 

Como bem lembrou o Barcinski em seu texto, é incrível como as pessoas esquecem que, anos antes dos Paralamas, Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi fundirem o rock com a música brasileira, Raul Seixas já apresentava pérolas como a linda balada caipira (com orquestração e harpa) "Medo da Chuva", o repente "As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor" e "Sessão das 10", um bolero brega perspicaz e irônico.

A influência mística do temido mago/bruxo/filósofo Aleister Crowley transparece nas emblemáticas "Trem das Sete" (de letra e arranjo majestosos), "Sociedade Alternativa" (em plena ditadura militar, interpretada com convicção impressionante) e na pesada "Loteria da Babilônia". Já a letra de "Super-Herói" é uma narrativa divertida em cima de um rock n' roll descontraído.

Os arranjos soberbos de Miguel Cirdas e a produção eficiente do Mazolla ajudam a dar o refinamento ao estilo popular do Raul Seixas. Isso fica evidente no swing-jazz sacana de "Moleque Maravilhoso", nas bonitas "Água Viva" e "Prelúdio" e, evidentemente, na épica "Gita", uma composição absurda de arranjo orquestrado grandioso. Um pop hindu calcado no Bhagavad-Guitá. Coisa de gênio.

Faltou comentar "S.O.S.", uma das minhas canções prediletas de todos os tempos. É um folk/country simples de refrão emocionante e letra genial ("Hoje é domingo, missa e praia, céu de anil, tem sangue no jornal"). Qualquer semelhança com "Mr. Spaceman" dos Byrds não é mera coincidência.

Para surpresa - ou não, isso não necessariamente importava - do André Midani da Philips, o disco vendeu muito, confirmando a teoria inicial: Gita é o maior disco do pop brasileiro.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Aracy de Almeida - Noel Rosa (1950)

A lendária sambista Aracy de Almeida foi indiscutivelmente uma das maiores cantoras do país. Em 1950 e 1951, a gravadora Continental lançou duas coletâneas de 78 RPM contendo interpretações dela para a obra do Noel Rosa, para muitos, o maior compositor brasileiro. Essa união resultou num tesouro da canção brasileira.


Embora gravado por inúmeros artistas, Aracy de Almeida é a única (além do próprio Noel Rosa) capaz de interpretar dignamente a obra do compositor. Talvez devido sua amizade com o icônico sambista, ela soube captar a verdadeira essência de sua obra.

A voz levemente anasalada, de vibrato preciso e afinação natural, serve ao balanço delicioso da impecável "Palpite Infeliz" e da clássica "Com Que Roupa?". 

Como não ficar de queixo caído (perdão, Noel) diante das maravilhosas interpretações em "Último Desejo" e "Três Apitos"?

Traçando a ponte entre o morro e o asfalto, as letras sagazes de "Conversa de Botequim" e "Feitiço da Vila" - ambas composições são parceria do Noel com o seu principal fiel escudeiro, o Vadico -, são maravilhas antropológicas da cultura brasileira. Da poesia, passando pela métrica e enredo, é possível reconhecer qualidades a cada nova audição.

Em tempo de revisionismo histórico que leva ao rebaixamento sambas do passado por questões morais difusas, é interessante perceber uma narrativa que destaca a emancipação da mulher em "O x do Problema".

Musicalmente, a Orquestra Continental eleva a melodia de "Fita Amarela". Já as cordas de "Pra Que Mentir" são de chorar. 

Vale lembrar que o álbum traz arranjos do lendário Radamés Gnattali, além de capa do Di Cavalcanti. Será que em algum outro momento viveremos uma efervescência artística como a que presenciamos nessa obra? Provavelmente não. Por tanto, desfrute sem moderação dos pouco mais 30 minutos de excelência aqui encontrados.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Planet Hemp - Usuário (1995)

Quando se fala em censura dentro da música brasileira, é comum pensarmos na ditadura militar, onde diversos compositores tiveram suas obras proibidas e outros chegaram até mesmo a serem exilados. Mas durante a democracia, a perseguição continuou, algumas vezes de forma velada, outras explicita, vide as dificuldades que o Planet Hemp teve para divulgar o seu já clássico álbum Usuário (1995).

 

Do nome da banda, passando pelo nome do disco e sua bem bolada capa - com perdão do trocadilho -, o conceito do grupo estava escancarado: a maconha. Todavia, o grupo não se limitava aos problemas criminais envolvendo a erva, mas sim a toda uma estrutura política retrógrada. Isso transformou Marcelo D2 (voz), BNegão (voz), Rafael Crespo (guitarra), Formigão (baixo) e Bacalhau (bateria) em embaixadores da liberdade de expressão, símbolos de uma geração de artistas que ajudariam a reforçar a recém democracia no Brasil.

O grito pela legalização da marofa, algumas vezes entendido como apologia, está justamente nas faixas mais divulgadas pela mídia, principalmente pela MTV. São elas "Legaliza Já", "Mantenha o Respeito" e "Dig Dig Dig (Hempa)". Somando isso ao conteúdo anti-policial de "Porcos Fardados", deu-se uma combinação pessimamente recebida pelo estado, que tratou de impedir a banda de fazer shows e, posteriormente, levou a detenção dos integrantes.

Musicalmente, a banda seguia os trilhos sonoros (e contestador) do Rage Against The Machine. A mistura de rock com rap e pitadas de funk com a malandragem tipicamente carioca é extremamente natural para o grupo. Como destaque é possível citar os grooves encorpados de "Não Compre, Plante!", "Phunky Buddha"  e "Speed Funk", além das letras bem sacadas de "Fazendo a Cabeça", "Futuro do País" e "A Culpa é de Quem?".

O Planet Hemp, ao lado dos Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi, retratam o que de melhor aconteceu na década de 1990 no rock nacional. Usuário é documento básico para entender a época.

sábado, 16 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Faith No More - The Real Thing (1989)

O Faith No More nunca se importou com as tendências do rock. Eles não usavam preto, não encaravam a lente das câmeras e muito menos levantavam a bandeira do estilo. Todavia, com seu som consistente/encorpado, atraiu o público do heavy metal, punk rock e rock alternativo. Tudo isso numa única tacada. Tudo isso com o The Real Thing (1989).


Embora a banda já fosse veterana, esse é o primeiro disco a trazer o Mike Patton na linha de frente, um artista provocativo, inquieto e dono de mil vozes. Aqui reina seus timbres estridentes, juvenis e desesperados, com pitadas de death metal, pop e rap nas mesmas proporções.

O álbum tem três grandes hits: "From Out Of Nowhere", faixa de refrão contagiante e coberta pelos teclados do Roddy Bottum (numa época em que o instrumento era repelido no "rock pesado"); Falling To Pieces", um típico funk metal cheio de groove (antes da explosão do RHCP), onde se destacam o baixista Bill Gould e o baterista Mike Bordin; e "Epic", que teve seu clássico clipe rodando incansavelmente na MTV, popularizando no rock ritmos e vocais herdado do hip hop. A canção é o prefácio do new metal, tendo influenciado bandas como Korn e Limp Bizkit.

Não apenas devido os sucessos, o disco merece atenção também por suas outras ousadias, vide a pesada/doentia "Surprise! You're Dead!", a estranhamente acessível "Underwater Love", a tipicamente rap-metal "The Morning After", o épico instrumental "Woodpecker From Mars", a easy listening divertida/sarcástica "Edge Of The World" e as progressivas "Zombie Eaters" e "The Real Thing". Sobrou até mesmo para "War Pigs", um descartável cover de Black Sabbath.

Entre a vanguarda do metal e o pop, o Faith No More trilhou um caminho próprio, fez a cabeça do público jovem e ainda hoje é referência tanto de sonoridade quanto de atitude.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Céu - Vagarosa (2009)

Polêmico! Não o disco, mas sim coloca-lo como "discoteca básica". Não se trata de sacramentar ou compará-lo com alguma conceituada obra do passado, mas sim de reconhecer o alcance e o êxito sonoro do álbum. Assim sendo, aqui está: Vagarosa (2009) da Céu, no "Tem Que Ouvir" deste humilde blog.


Particularmente, vejo a Céu como a melhor representante da nova MPB. Tem quem considere tudo muito limpinho, com cara de artista da Praça Roosevelt e Baixo Augusta. Mas com Vagorasa, a Céu conseguiu por méritos próprios cruzar as barreiras nacionais, lançando o disco em países como EUA, Inglaterra e Alemanha, ganhando prêmios (incluindo um Grammy Latino), levando seu trabalho para grandes festivais internacionais e programas como o do Jools Holland na BBC. Foram poucos os brasileiros contemporâneos a ela que conseguiram tanto.

O disco tem produção e execução acima da média. Abre com um sambinha curto chamado "Sobre o Amor e Seu Trabalho Silencioso", passa pela deliciosa vibe dub de "Cangote" (uma das últimas gravações do espetacular baterista Gigante Brazil), "Comadi" e "Bubuia", chegando ao ápice na espetacular "Nascente", faixa que flerta com o trip-hop e o jazz, com direito a texturas eletrônicas, solo de trompete e groove hipnotizante.

Céu é uma cantora contida, com belo timbre e dona de sensibilidade apaixonante. As relaxantes "Grains de Beauté" (com ótima linha de baixo) e "Ponteito" comprovam isso. 

"Papa", "Cordão da Insônia" e "Sonâmbulo" mais uma vez exaltam a paixão da artista pelo reggae, dub e afrobeat.

Uma excelente amostra da versatilidade e riqueza do álbum é a impressionante "Rosa Menina Rosa", que une a célula rítmica do samba à texturas timbristicas do post-rock.

O grande Luiz Melodia dá um belo empurrão na impecável "Vira Lata", um samba esperto e sofisticado. Já Fernando Catatau, um dos mais talentosos e requisitados guitarristas da sua geração, ajuda a fechar o disco em "Espaçonave".

Um trabalho excelente que precisará romper preconceitos para ser considerado clássico. Tempo e audição atenta são o caminho.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Melvins - Houdini (1993)

Quando alguém lhe disser que o Nirvana mudou a indústria da música, acredite. Quer um exemplo? Em que outro momento a gravadora Atlantic, da multimilionária Warner, investiria dinheiro em um grupo tão imundo quanto o Melvins? O mais legal é que a banda não deixou barato. Escute o esporrento Houdini (1993) e comprove.


A partir do momento em que o grunge virou tendência, abriu-se portas para grupos alternativos mostrarem seus trabalhos ao grande público. A maioria fracassou comercialmente - óbvio! -, mas não no êxito artístico. No caso do Melvins, que já vinha numa sequência espetacular de álbuns, o contrato com uma grande gravadora só ajudou a financiar o caos. A co-produção do Kurt Cobain deu ainda mais moral.

O guitarrista, vocalista e compositor Buzz Osborne é quem lidera o combo, trazendo ao disco uma mistura doentia de Black Sabbath com Black Flag.

É espetacular como a produção soa densa e enorme. O som da banda parece reverberar no ambiente. Isso fica nítido logo na abertura com "Hooch" e "Night Goat". Avassalador.

Poucas faixas são tão absurdamente intensas quanto "Honey Bucket". Seu riffs é saturadíssimo, pesado, viscoso e absurdamente grave. Somando isso a uma voz cavernosa, baixo corrosivo e a bateria troglodita do Dale Crover, temos um dos pilares do stoner rock e sludge metal, ainda que a grande mídia os jogasse no saco do grunge, o que não é completo absurdo, vide a melancolia, dinâmica e peso de “Lizzy”.

Adoro esse clima de tensão construído através do groove espaçado e acordes monolíticos/distorcidos intermináveis de "Hag Me".

Na onda do Nirvana, "Set Me Straight" não faz feio, sendo seu lado "pop"/melódico um tanto quanto "marofado". Entretanto, é na esquisita "Sky Pup" que o Kurt Cobain dá as caras.

O timbre de guitarra em "Joan Of Arc" é uma massaroca impressionante que ainda hoje muita banda tente imitar.

"Teet" é daquelas faixas acachapantes para ouvir esmurrando a parede e deixando se levar pelos instintos mais primitivos de sua persona.

A barulheira tipica do grupo é embalada por uma execução entusiasmante na carismática "Copache".

Finalizando, "Spread Eagle Beagle" mais parece um experimento que fica entre o industrial, noise e field recordings. Os ritmos tribais, provavelmente improvisados, são captados majestosamente, trazendo o ouvinte para dentro do ambiente. Beira o assustador.

O Melvins tornou-se um dos grandes nomes do metal alternativo, sendo que o Houdini representa uma época comercialmente tão maravilhosa para o rock que nem parece que existiu.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

ALGO ENTRE: Jeff Healey e Vanilla Fudge

JEFF HEALEY
Não, ele não é "apenas" um guitarrista cego que segura a guitarra de modo inusitado. Ele é sim um dos grande guitarristas de blues rock de todos os tempos.

VANILLA FUDGE
Olhem essas roupas. Reparem na pegada avassaladora do baterista Carmine Appice. E esse timbre de hammond! Apresentação memorável. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Miles Davis - Bitches Brew (1970)

O jazz entrou na década de 1970 sem a mesma popularidade de tempos atrás. Era o rock que fazia a cabeça da juventude e explorava territórios dos mais variados, passando longe da mediocridade que se imagina da música com apelo popular. Miles Davis, músico já consagrado no jazz, percebeu isso e buscou referências em outros estilos, inaugurando o fusion (ou jazz-rock) no clássico Bitches Brew.


Foram principalmente Jimi Hendrix, Grateful Dead, Carlos Santana e Sly & The Family Stone - todos presentes em Woodstock - que fizeram o Miles se jogar nos sons distorcidos, grooves alucinantes, efeitos de wah-wah e delays em seu trompete, solos intermináveis e a convocar um time ilustre de jovens músicos para acompanha-lo. Dai vieram Wayne Shorter (sax, presente desde o segundo quinteto clássico do Miles), Bennie Maupin (clarinete), Joe Zawinul (teclados), Chick Corea (teclados), John McLaughlin (guitarra), Dave Holland (baixo), Jack DeJohnette (bateria), Lenny White (bateria), Billy Cobham (bateria), Airto Moreira (percussão), dentre outros. Todos com carreiras destacáveis anos depois. Todos principalmente no território fusion.

Se a capa já tem traços de psicodelia, musicalmente o disco percorre por territórios ainda mais ousados. O clima de free jam - preenchido por ritmos latinos, melodias herdadas da música indiana, performance transcendental dos músicos e colagens sonoras (e aqui entra o produtor Teo Macero) -, surge principalmente nas longas " Paraoh's Dance" e na faixa "Bitches Brew", transparecendo qualidades técnicas e sofisticação harmônica.

Se em alguns momentos os solos trazem o peso do rock e uma certa barulheira cacofônica abstrata, por trás de tudo isso, mantém-se uma sólida base estrutural para as composições. "Spanish Key" talvez seja o maior destaque neste sentido.

Sendo um símbolo da vanguarda na música, Miles quebrou barreiras e propôs novos parâmetros sonoros, sendo Bitches Brew peça fundamental neste caminhada. Audição difícil, mas recompensadora. Não por acaso ele é sempre lembrado como um dos grandes nomes das artes do século XX. 

domingo, 3 de agosto de 2014

Shows dos sonhos (os fisicamente possíveis)

Fiz há poucos dias um post com shows dos sonhos impossíveis de se ver atualmente. Hoje posto aqueles possíveis e que quero assistir o quanto antes. Quem sabe algum deles não confirma uma passagem pelo Brasil com presente de aniversario indireto.

01 - Paul McCartney
Chances ele já deu, mas eu, cabaço que sou, sempre perco seus shows. Quem sabe em breve.

02 - Ritchie Blackmore
Seja com o Blackmore's Night (mesmo não gostando tanto), com o Rainbow ou com o Deep Purple (hoje saiu a noticia de que o problemático guitarrista voltou a conversar com o Ian Gillan após 20 anos de pura treta), não importa, o lance é que ainda quero ver meu primeiro ídolo da guitarra (e talvez o maior) ao vivo.

03 - Van Halen
O show mais caro da atualidade. Certeza que lotaria aqui no Brasil. Só falta alguém com bala trazer eles. Ou eu ir pra América. Não é uma má idéia. EVH merece o investimento.

04 - Neil Young
Como um cara que fez aquele apoteótico show no Rock In Rio em 2001 até hoje não voltou pra tocar no Brasil. Ele veio até pra uma palestra, mas nada de show. Parece piada.

05 - Wilco
Flaming Lips, Dinosaur Jr, Arcade Fire, QOTSA, Foo Fighters... são muitas as bandas fazendo grandes show na atualidade, mas acho que ninguém se sair melhor que o Wilco. Ta demorando pra voltarem pro Brasil. Acho que o hype é suficiente pra encher um Espaço das Américas, não?

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

TEM QUE OUVIR: Public Image Ltd. - Metal Box (1979)

Muitos diriam que o Sex Pistols era a oportunidade única para quatro instrumentistas medíocres angariarem sucesso. Mas o outrora Johnny Rotten e agora John Lydon sequer esperou a morte do Sid Vicious para demonstrar sua visão musical vanguardista distante da tosquidão punk. Através do Public Image Ltd. (ou simplesmente PiL) ele produziu um caos sonoro que seria referência para diversos artistas, do pós-punk ao noise rock, passando pelo industrial.


Metal Box (1979) - versão americana e mais popular do Second Edition (1979), segundo trabalho do grupo lançado no Reino Unido -, vinha em sua primeira edição embalado numa lata redonda, no estilos dos rolos de filmes. Na época afundada em drogas, a banda reluta ao apresentar uma mistura inusitada do krautrock do Can com as produções processadas do dub de Lee "Scratch" Perry. Como resultado surgem temas obscuros, densos, corrosivos, barulhentos e repetitivos, sendo que faixas longas como "Albatross" e "Poptones" soam feito mantras viajantes rumo ao fim do mundo.

Os ritmos mecânicos - muitos deles estranhamente dançantes, à la disco music - guiados por linhas de baixo sombrias e sintetizadores futuristas, formam a base para que o Keith Levene demonstre sua abordagem nada usual na guitarra, extraindo timbres estridentes enviados diretamente das chamas da Terra. Enquanto isso, John Lydon resmunga suas letras desagradáveis, cheias de afronto e sagacidade. "Memories", "Chant" e "Swan Lake" - com direito a citação de Tchaikovsky - escancaram isso.

Surreal e ousado, a audição deste disco se mostra por vezes difícil. Talvez seja justamente esse o mérito. Enquanto todos estavam prontos para bajular Johnny Rotten, ele ofereceu ao mundo o absurdo sonoro.